TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
461 acórdão n.º 123/18 do recurso aos tribunais com intuito dilatório, fins esses que, por seu lado se reconduzem aos interesses públi- cos associados à regulação eficaz dos mercados energéticos”. 3. Em primeiro lugar, não vejo como possam, fundada e pertinentemente, invocar-se aqui os valores ou interesses pertinentes à regulação dos mercados energéticos. Nas palavras do acórdão “a premência das necessidades que satisfazem (os mercados regulados), [d]a relevância económica da atividade que neles se desenvolve e [d]a importância estratégica, no contexto nacional e europeu, da política que lhes diz respeito”. Não se contesta naturalmente a eminência e a dignidade dos interesses que se jogam nos mercados energé- ticos e que o Estado regulador subjetiviza, erigindo-os à categoria de valores supra-individuais ou coletivos. Só que tal eminência encontra a sua sede de relevância, no plano material-substantivo, na hora de proclamar a sua dignidade e, consequentemente, a exigência da sua tutela. E, por vias disso e reflexamente, assinalar o grau de danosidade ou intolerabilidade da sua lesão. Tudo a projetar-se no grau de ilicitude e de culpa que se entenda atribuir às ofensas tidas como merecedoras de resposta contrafáctica. Mas que não devem ser convocadas em sede adjetiva-processual e, mais concretamente, em matéria de presunção de inocência. Onde, de resto e se bem vejo, só podem jogar em sentido contrário ao que é assu- mido no acórdão. Precisamente no sentido do reforço do alcance e consistência do direito à presunção de inocência. Isto na medida em que maior dignidade dos valores – a implicar uma maior intolerabilidade das manifestações de danosidade, maior ilicitude e culpa e mais drásticas respostas sancionatórias – postula como reverso um reforço das garantias processuais. 4. E agora os interesses ou valores de índole processual, a começar pelo propósito de contrariar o recurso aos tribunais com intuito dilatório. Uma finalidade em relação à qual a solução legal me parece claramente inidónea, se não mesmo contraindicada. Na verdade, a mobilização do recurso, mesmo com efeitos mera- mente devolutivos, pode ser – e muitas vezes será – preferível à alternativa de deixar consolidar a decisão con- denatória. E será tanto mais assim quanto o recurso for motivado por propósitos dilatórios tendentes a pura dilação temporal, com vista nomeadamente à prescrição. Na verdade, a não atribuição de caráter suspensivo ao recurso significa, tão somente, que a entidade administrativa poderá, no imediato, executar a coima. Mas ainda que tal ocorra, o arguido ver-se-á reintegrado do correspondente montante no seu património na even- tualidade de a responsabilidade contraordenacional vir ulteriormente a extinguirse em resultado do decurso dos prazos prescricionais. Assim, o arguido que almeje, puramente, a prescrição manterá um equivalente interesse na impugnação judicial, independentemente de o recurso interposto ter efeito devolutivo ou sus- pensivo. A possibilidade que o mesmo tem de dilatar o procedimento apresenta-se, para tal efeito, idêntica, não constituindo o efeito devolutivo um desencorajamento mínimo – contrariamente ao que sucede, por exemplo, com a consagração da reformatio in pejus – a tal atuação. Não sendo comprovadamente idónea, a solução legal está outrossim longe de se revelar necessária ou exigível. Porque a ordem jurídica dispõe para o efeito de meios seguramente mais eficazes, como acontece paradigmaticamente com a admissão da reformatio in pejus , que o Regime Sancionatório dos Serviços Ener- géticos expressamente prevê e consagra. Em definitivo, uma medida inidónea – próxima do inócuo – e desnecessária, que tem como reverso uma compressão ostensiva do direito à presunção de inocência. Que atinge no seu núcleo irredutível e essencial. Com todo o lastro de consequências e de efeitos negativos, particularmente ao nível do estigma e da comu- nicação com os outros, que nunca serão integralmente neutralizadas. Mesmo em caso de desfecho favorável do recurso judicial. 5. É também em sede de necessidade/exigibilidade que me parece falecer o suporte constitucional para justificar a solução normativa, pensada para assegurar o efetivo pagamento das coimas. Logo à vista do universo dos destinatários privilegiados da norma: normalmente entes coletivos – por vezes mesmo entes
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