TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
460 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de uma qualquer inspiração ou imposição de Direito da UE. Esta ordem jurídica contém uma solução aliás bastante distinta da adotada em Portugal, como se explica no Acórdão n.º 674/16. 8. É indiferente para efeito de garantia de acesso a uma via judicial efetiva o facto de estarmos perante uma pessoa coletiva ou singular, ou de se tratar de um setor específico regulado. Tal como não releva, neste âmbito, o facto de se estar perante uma entidade administrativa independente – o n.º 4 do artigo 268.º da Constituição, ao prever «o direito [dos cidadãos] de impugnar quaisquer atos administrativos que os lesem», aplica-se de forma transversal a toda a administração. O direito do arguido impugnar nos tribunais as decisões proferidas pela entidade administrativa que o acusou e sancionou, funda-se no direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. Este direito a uma tutela jurisdicional efetiva – e a uma via processual efetiva de aceder aos tribunais – é um corolário do princípio do Estado de direito democrático, um dos pilares em que assenta a nossa República. Merecia ter sido tratado de uma forma menos formal. – Maria de Fátima Mata-Mouros. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Votei vencido porquanto, ao contrário da posição que fez vencimento, estou convencido da inconsti- tucionalidade material da norma emergente dos n. os 4 e 5 do artigo 46.º do Regime Sancionatório do Setor Energético (aprovado pela Lei n.º 9/2013, de 28 de janeiro). E segundo a qual a impugnação judicial da decisão de aplicação de coima proferida pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) tem, ressalvados casos excecionais – e satisfeito o ónus de prestação de caução –, efeito meramente devolutivo. Tenho, com efeito, como seguro que, para além de atentar contra o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado em termos gerais no artigo 20.º da Constituição da República, a norma em exame sacrifica de forma desproporcionada o princípio da presunção de inocência consagrado nos n. os 2 e 10 do artigo 32.º da Constituição. Ater-me-ei, nesta declaração, às questões suscitadas em matéria de presunção de inocência. Tanto por razões de economia como, e sobretudo, por acreditar que as coisas podem equacionar-se a esta luz com a linea- ridade e a segurança bastantes para arrimar a minha compreensão dos problemas e o sentido do meu voto. 2. Não posso, a começar, deixar de acompanhar os dois enunciados normativos basilares sobre que assenta a posição que obteve vencimento e que foram erigidos em erigiu em premissa maior do silogismo judiciário. A saber: «1.º Também no processo contraordenacional vale – na dimensão essencial do seu programa de tutela – o princípio da presunção de inocência. “No sentido de que o visado deve ser presumido inocente até que a decisão condenatória da Administração se consolide na ordem jurídica ou, caso esta seja impugnada, até que transite em julgado sentença judicial que a confirma”. 2.º Que o regime em exame concretiza um sacrifício ou compressão da garantia constitucional da presunção de inocência. Na formulação do acórdão: “parece difícil negar que (a possibilidade de) execução imediata de uma sanção baseada em condenação administrativa com a qual o visado se não conforma, e que pretende discutir em juízo, atinge o direito à presunção de inocência”.» É a partir daqui que os caminhos se separam. Não posso, na verdade, acompanhar o acórdão na parte em que, depois de afirmar e reconhecer a concretização do sacrifício, o leva à balança da ponderação, aca- bando por julgá-lo constitucionalmente justificado porque idóneo, necessário e proporcionado à prossecução e salvaguarda de outros (e conflituantes) valores e interesses constitucionalmente relevantes. Concretamente e acolhendo-me, de novo, à formulação do Acórdão: “a garantia do cumprimento das sanções e a dissuasão
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