TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

458 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL por se apresentar como medida excessiva diante dos fins prosseguidos. Ainda que, de acordo com a jurispru- dência constitucional, seja de aceitar uma maior amplitude do poder de conformação do legislador democrá- tico quando versa sobre o direito contraordenacional por comparação com a margem de discricionariedade deixada ao legislador penal, designadamente em sede de definição das garantias de defesa do arguido (cfr. por todos Acórdão n.º 297/16, ponto 14), a norma em análise, onerando excessivamente o direito de acesso a uma tutela judicial efetiva, praticamente esvazia de sentido a presunção de inocência atribuída ao arguido, o que constitui compressão excessiva das garantias de defesa previstas no artigo 32.º, n. os 2 e 10, em articulação com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. E esta conclusão não é infirmada pela circunstância de a caução poder vir a ser devolvida por efeito da decisão final, pois que a desproporção na medida ali prevista não sofre qualquer alteração na sua essencialidade por força desta possível reparação.» O presente acórdão, assim, não atende ao problema central que lhe era colocado ao nível do direito de acesso à via judicial recusando-se a considerar a imposição de cumprir uma sanção administrativa (direta- mente ou através de caução) antes de a poder impugnar como uma limitação à efetividade desse acesso. A ponderação sobre a proporcionalidade da restrição ao direito de acesso empreendida no Acórdão n.º 675/16 é, também por isso, esquecida. 5. No que respeita ao confronto da norma com o princípio da presunção da inocência, o Tribunal afasta-se da conclusão a que chegou no Acórdão n.º 675/16, no sentido da desnecessidade da norma para prosseguir o fim de desincentivo à impugnação judicial manifestamente infundada, com base num conjunto de argumentos entre os quais se destacam a refutação de automaticidade na solução legal e o Direito da União Europeia. 6. Foi a interpretação normativa segundo a qual a caução tem de equivaler à quantia que o visado foi condenado a pagar a título de coima que o tribunal a quo recusou, por inconstitucionalidade. Foi também nesse pressuposto que o Acórdão n.º 675/16 entendeu o condicionamento do efeito suspensivo à prestação da caução, considerando que um tal «automatismo» não deixa espaço para um juízo de dispensa ou ade- quação (designadamente do montante e modo de prestação) diante dos circunstancialismos do caso. Refere, com efeito, aquele aresto, que na dimensão normativa cuja aplicação foi recusada, por inconstitucionalidade, pelo tribunal a quo, a atribuição do efeito suspensivo depende da prestação de uma caução cuja fixação não é atribuída a apreciação judicial. A prestação da caução a que alude a norma representa uma condição ope legis , desde que se encontre demonstrado o prejuízo considerável resultante da execução da coima. Ora, era precisamente neste ponto que residiam os maiores problemas de conformidade constitucional suscitados pela norma. Na verdade, como acima já referido, o direito de impugnação das decisões sancionató- rias da competência das autoridades administrativas proferidas em processo contraordenacional é a expressão ao nível do direito ordinário do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva. Assim sendo, a sus- pensão da eficácia da condenação administrativa não pode deixar de fazer parte integrante do núcleo funda- mental do direito à tutela jurisdicional efetiva. De contrário, chegaríamos ao resultado de a entidade neutral a quem o particular recorre para garantir a aplicação do direito estar, afinal, vinculada a aceitar a aparência da legalidade da condenação proferida pelo regulador. Uma tal solução seria, porém, totalmente inaceitá- vel, desde logo, porque, como também já foi salientado por este Tribunal «diversamente da imparcialidade judicial, a imparcialidade da administração (das ‘autoridades administrativas’ na terminologia do [Regime Geral das Contraordenações]) não implica a neutralidade do decisor. As ‘autoridades administrativas’ ainda quando aplicam sanções em ilícito de mera ordenação social não dirimem conflitos de interesses públicos e privados: prosseguem o(s) interesse(s) público(s) postos pela lei a seu cargo» (Acórdão n.º 595/12, ponto 7). Ora, ao afirmar que «nada há, no entendimento deste Tribunal, de automático na solução legal» (ponto 15), entendendo que a prestação da caução pode ser «feita no montante e pela forma que o Tribunal entender adequados, tomadas em devida consideração as particularidades do caso, as circunstâncias do impugnante e a função de garantia da caução» (ponto 16), o Tribunal afastou-se da interpretação do tribunal a quo objeto

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