TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

457 acórdão n.º 123/18 coima para evitar o cumprimento imediato da sanção proposta pela autoridade administrativa, mesmo nos casos em que esse cumprimento cause prejuízo considerável ao sancionado e sempre antes de a adequação da sanção ser confirmada por um decisor neutral (o juiz). Assim, o presente aresto limita-se a concluir, com can- dura, que «a solução consagrada nos n. os 4 e 5 do artigo 46.º do RSSE não implica, em princípio, qualquer restrição do direito à efetividade da tutela jurisdicional» (ponto 13) e isto pela simples razão de a procedência da impugnação permitir a reversão integral dos efeitos da execução da sanção. Esta conclusão, ignora, no entanto, que a execução imediata da coima não aceite pelo sancionado nega, pelo menos temporariamente, os efeitos da oposição que a impugnação pretende proteger e, como tal, configura em si mesma uma lesão efetiva do direito fundamentel em causa, que o deferimento da impugnação jamais poderá reintegrar. Uma tal tese desvaloriza o sentido atribuído pela jurisprudência constitucional ao direito à tutela juris- dicional efetiva em processo de contraordenações, parecendo querer esquecer que a impugnação da decisão administrativa configura o meio de acesso à jurisdição e converte em judicial o poder de aplicação da sanção (cfr. Acórdãos n. os 595/12, pontos 4, 5 e 8, e 675/16, ponto 14). Como o Tribunal Constitucional tem repe- tido, em processo de contraordenação, para além de gozar do direito de defesa constitucionalmente previsto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, o arguido goza também do direito de acesso à tutela jurisdicional, com o consequente direito de impugnar judicialmente a decisão administrativa, nos termos previstos no artigo 59.º e seguintes do Regime Geral das Contraordenações (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 659/06, ponto 2.2, 135/09, ponto 7, e 373/15, ponto 2. da fundamentação). Ora, este direito, constitucionalmente consagrado, consubstancia-se no direito de o arguido se opor à pretensão punitiva da autoridade administra- tiva contra si dirigida, deduzindo impugnação judicial. Afirmar que a reversão dos efeitos da execução da sanção pela procedência da impugnação é suficiente tutela jurisdicional do sancionado é uma visão formal e redutora do sentido constitucional atribuído a este direito. Na verdade, a garantia de uma via judiciária de tutela efetiva não implica simplesmente que a impugnação judicial garanta ao arguido a possibilidade de ver reapreciados todos os fundamentos da decisão impugnada, implica também a possibilidade de evitar os seus efeitos. É nesta conformidade que a decisão sancionatória do regulador passa a mera acusação na sequência da remessa do processo a juízo, em virtude da apresentação da impugnação, como o Tribunal tem também reconhecido, designadamente ao identificar, no Acórdão n.º 595/12 (ponto 8), o «caráter ‘provisório’ da decisão administrativa face à natureza da impugna- ção judicial, que consubstancia uma verdadeira ‘transferência da questão do domínio da administração para o juiz, no dizer do Bundesgerichtshof alemão’ (na expressão de Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit. , p. 295)». Mais concretamente ainda, «a impugnação, se respeitados os requisitos de forma e tempo, elimin[a] auto- maticamente o caráter definitivo ( hoc sensu , materialmente definidor da situação do particular) da decisão administrativa, porque a apresentação dos autos ao juiz vale como acusação, assim se convertendo em judi- cial o poder de aplicação da sanção (cfr. artigo 62.º do RGCO)». A garantia de tutela jurisdicional efetiva acolhida na Constituição é moldada, não por um mero direito de impulso processual que se cumpre com a simples pronúncia do juiz, mas pela tutela da utilidade desse mesmo impulso processual. Essa utilidade não abrange, portanto, apenas a garantia da produção de efeitos da decisão. O próprio recurso ao meio processual tem de apresentar utilidade na tutela do cidadão, por exemplo, através do poder de proferir providências cautelares e do efeito atribuído ao recurso, como se passa, designadamente, na impugnação de um ato administrativo por um particular, que pode ser acompanhada de um pedido de suspensão da sua eficácia – o que, em princípio, despoleta a proibição da sua execução. O argumento de que sempre poderia o cidadão, se lesado, recorrer à responsabilidade civil extracon- tratual do Estado neste contexto é irrelevante e incoerente. Irrelevante, porque poderia ser utilizado relati- vamente a qualquer situação de inconstitucionalidade. Incoerente, porque parece admitir que, afinal, pode existir uma lesão do direito de acesso à tutela jurisdicional efetiva. Como salientado no ponto 22 do Acórdão n.º 674/16, para onde remete o ponto 7 do Acórdão n.º 675/16, «ao traduzir a imposição de um ónus de efeitos equivalentes ao cumprimento da coima para evi- tar a antecipação daquele mesmo cumprimento a norma recusada afronta o princípio da proporcionalidade,

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