TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
456 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL nos n. os 4 e 5 do artigo 46.º do RSSE restringe […] o direito de acesso à justiça ou aos tribunais») e o «mesmo direito na vertente da efetividade da tutela jurisdicional» (concluindo que a norma em análise não introduz qualquer restrição do direito à efetividade da tutela jurisdicional, no ponto 13). Uma tal dissociação é, toda- via, inaceitável. Como assinala Rui Medeiros (em Constituição Portuguesa Anotada, 2005, tomo I, p. 203, em anotação ao artigo 20.º), «(…) quer a inserção na epígrafe do artigo 20.º, quer a própria teleologia do direito de acesso aos tribunais, impedem que se dissocie a garantia da via judiciária do direito a uma tutela jurisdicional efetiva.» Para resolver a questão de constitucionalidade colocada neste recurso de nada adianta estabelecer a dife- renciação que o acórdão acentua entre acesso à justiça e efetividade da tutela jurisdicional. O direito de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado constitucionalmente, que engloba um conjunto diver- sificado de posições jus-fundamentais, pressupõe a garantia da via judiciária como meio eficaz de aceder à Justiça. Ora, uma das dimensões em que se concretiza essa garantia é justamente o direito de acesso ao órgão jurisdicional para ver dirimido um litígio, o que implica a existência de mecanismos processuais apropriados, sem a imposição de constrangimentos substanciais. 3. O Acórdão ocupa-se em demonstrar que o efeito meramente devolutivo da impugnação judicial não compromete definitivamente a efetividade da tutela jurisdicional, designadamente porque a procedência da impugnação permite a reversão integral dos efeitos da execução da sanção. Ao assim proceder, no entanto, desfocou a questão do seu eixo problemático, já que as dúvidas de constitucionalidade suscitadas pela norma não derivam da negação do direito à tutela jurisdicional efetiva nesse âmbito. A norma objeto de fiscalização, resultante dos n. os 4 e 5 do artigo 46.º do RSSE, estabelece que só pode ser atribuído efeito suspensivo à impugnação de decisões que apliquem coima em processo de contraorde- nação quando a sua execução cause “prejuízo considerável” ao impugnante e este preste caução substitutiva. A questão de constitucionalidade que se impunha dirimir – que era o objeto da oposição de julgados relati- vamente ao Acórdão n.º 675/16 – era, portanto, saber se esta norma, ao condicionar o efeito suspensivo da impugnação ao cumprimento de duas condições exigentes, constitui, ou não, um constrangimento ao direito de efetivo acesso a uma via judicial efetiva, concretamente, para impugnar – em tempo útil e eficazmente – a decisão da autoridade administrativa de aplicação de uma coima, e, em caso afirmativo, se tal condiciona- mento respeitava o princípio da proporcionalidade. O administrado – na interpretação que é dada à norma pelo tribunal a quo –, mesmo que pretenda impugnar a condenação administrativa (e mesmo que tenha razão), terá sempre de pagar a coima ou, eventualmente, prestar caução substitutiva no mesmo montante, apesar do prejuízo considerável que sofreria com a execução da decisão. Tal significa que nunca lhe será pos- sível aceder ao tribunal, contestando a coima ou o seu valor, sem antes pagar essa mesma coima (ou garantir o seu valor), independentemente do seu montante. Nesta interpretação, é evidente que a norma introduz um constrangimento material ao direito de acesso a uma via jurisdicional efetiva contra uma decisão adminis- trativa sancionatória. Objetivamente, é impossível negar que existem situações de carência de tutela judicial que ficam à margem desta solução. Como se salienta no Acórdão n.º 675/16 (ponto 7, por remissão para o ponto 15 do Acórdão n.º 674/16), a norma sindicada cria, na verdade, um obstáculo ao efetivo direito de tutela contra atos lesivos da administração pública que, por incidir sobre os efeitos da impugnação de uma medida sancionatória implica uma restrição do acesso à via judicial, não deixando se se refletir também nega- tivamente na presunção de inocência garantida ao arguido. Sendo certo que existe uma restrição que é imposta, era, portanto, a extensão ou grau deste constran- gimento do acesso – em sentido útil e eficaz – ao juiz que importava colocar em confronto com o interesse público de garantir o cumprimento da sanção e dissuadir o recurso meramente dilatório (fins visados pela norma) em ordem a determinar a sua exigibilidade e proporcionalidade. 4. O Acórdão despreza o constrangimento daquele direito de acesso a uma via jurisdicional efetiva contra uma decisão administrativa sancionatória, implicado na imposição de um ónus equivalente ao pagamento da
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