TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

455 acórdão n.º 123/18 A norma impugnada viola também o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, pois o meio utilizado é desproporcionado em relação ao fim: nem o fim que se pretende alcançar com a medida restritiva é tão importante ou premente como presumiu o Acórdão que fez vencimento; nem o sacrifício que se impõe com a restrição tão leve. Por outro lado, deve ter-se em conta no juízo de ponderação, o seguinte: 1) no setor da energia não atuam só grandes empresas com capacidade económica elevada, mas também empresas de menor dimensão e capacidade económica; 2) deixou de ser verdade, no contexto legislativo atual, em que o legislador usa o direito contraordenacional para proteger bens jurídicos de relevância penal e em que as sanções podem ser de valor económico elevadíssimo, que o direito à presunção de inocência tenha um peso axiológico tão reduzido como entende o Acórdão que fez vencimento; 3) as sanções são decididas por uma entidade administrativa e os processos contraordenacionais têm estrutura inquisitória, sendo a entidade administrativa que investiga a mesma que julga e decide, o que coloca com particular acuidade a importância da garantia do recurso». Acrescento ainda que os argumentos utilizados no Acórdão que fez vencimento para negar a existência de qualquer restrição ao direito à tutela efetiva e ao direito de acesso à justiça – distinção entre restrição direta e restrição oblíqua e distinção entre ónus de acesso à justiça e ónus de suspensão da execução são artificiais e meramente retóricos, e não contêm em si peso num debate substancial, que esteja para além de uma aparên- cia de lógica conceitual e pondere interesses e valores. Subscrevo, no que diz respeito à tutela judicial efetiva e ao acesso à justiça, enquanto direitos fundamentais, a declaração de voto da Senhora Conselheira Fátima Mata Mouros . – Maria Clara Sottomayor. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Vencida. Votei a inconstitucionalidade da norma segundo a qual o recurso que visa a impugnação judicial das decisões finais condenatórias da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos em processo de contraorde- nação tem, por regra, efeito meramente devolutivo, ficando a atribuição de efeito suspensivo dependente da prestação de caução e da verificação de um prejuízo considerável para o recorrente decorrente da execução da decisão, na interpretação extraída dos n. os 4 e 5 do artigo 46.º do Regime Sancionatório do Setor Energético (RSSE), aprovado pela Lei n.º 9/2013, de 28 de janeiro, por violação do princípio da tutela jurisdicional efe- tiva consagrado no artigo 20.º da Constituição, concretizado, no âmbito da justiça administrativa, no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição, entendido em articulação com o princípio da proporcionalidade implicado no artigo 18.º, n.º 2, e o princípio da presunção de inocência em processo contraordenacional decorrente do artigo 32.º, n. os 2 e 10, da Constituição, nos termos afirmados no Acórdão n.º 675/16 e anteriormente, relativamente a norma semelhante, no Acórdão n.º 674/16. O presente acórdão segue entendimento oposto, baseando-se numa fundamentação que, no meu enten- der, é inovadora, por se afastar da jurisprudência tradicional do Tribunal Constitucional, mas não é convin- cente e peca por um excessivo formalismo. 2. O direito fundamental de acesso à tutela jurisdicional e aos tribunais desligado de uma dimensão mate- rial, de acesso não excessivamente oneroso ao tribunal e de garantia da efetiva produção de efeitos das decisões jurisdicionais, mais não é que um invólucro formal, vazio de conteúdo e de utilidade real para os cidadãos. Temo que tenha sido nesse sentido que o Tribunal Constitucional tenha trilhado com o presente acórdão. Efetivamente, no que respeita à apreciação da conformidade da norma objeto de fiscalização com o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição, o acórdão introduz distinções, num primeiro momento, entre «ónus de acesso à justiça» e «ónus de suspensão da execução da decisão sancionatória» (ponto 12), e, num segundo momento, entre «direito à tutela jurisdicional efetiva, na vertente do direito de acesso aos tribunais» (relativamente ao qual conclui que «nada no regime consagrado

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