TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
450 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL caso contrário, admitir-se-ia um sacrifício desnecessário de valor constitucional. Finalmente, o subprincípio da proporcionalidade determina que os fins alcançados pela medida devem, tudo visto e ponderado, justifi- car o emprego do meio restritivo; o contrário seria admitir soluções legislativas que importem um sacrifício líquido de valor constitucional. É pacífica na jurisprudência constitucional, e não é sindicada pela decisão recorrida, a proposição de que a medida sob escrutínio é um meio idóneo à prossecução do interesse público na garantia do cumprimento das sanções e na dissuasão do recurso aos tribunais com intuito dilatório (vide os Acórdãos n. os 376/16, 674/16 e 675/16). De resto, sempre que as finalidades de uma solução legal não sejam explicitadas pelo legislador – como é o caso –, sem que o intérprete deixe de as discernir através de um juízo de racionalidade instrumental, encontra-se, por regra, preenchido o requisito da idoneidade da medida. É o que revelam, no caso vertente, as seguintes palavras do Acórdão n.º 376/16: «[a]ntecipa-se, sem dificuldade, que o legislador, na modelação do regime de impugnação das decisões sancionatórias proferidas por tais entidades adminis- trativas, tenha ponderado a necessidade de conferir maior eficácia aos respetivos poderes sancionatórios…». A controvérsia incide sobre a exigibilidade e a proporcionalidade da medida. No Acórdão n.º 675/16, conclui-se pela desnecessidade da regra do efeito meramente devolutivo da impugnação judicial da decisão sancionatória aplicativa de coima: «[N]o caso, existem outras medidas que podem servir eficazmente de desincentivo ao recurso à impugnação judicial manifestamente infundada: desde logo, a consagração da reformatio in pejus (artigo 88.º, n.º 1, da LdC). Como salientado por José Lobo Moutinho, é «patente que essa admissão condiciona o exercício do direito ao recurso ou à impugnação, levando o arguido administrativamente condenado a ter medo de se prejudicar com o recurso ou impugnação e criando-lhe, assim, uma forte inibição que o levará a evitar os recursos» (“A reformatio in pejus no processo de contraordenações”, in Estudos dedicados ao Professor Doutor Nuno José Espinosa Gomes da Silva, vol. 1, Universidade Católica Editora, pp. 421-452, p. 437). (…)» Também a decisão recorrida considera a medida inexigível, argumentando, essencialmente, nos seguin- tes termos: «[A] execução antecipada das sanções, assente em desideratos cautelares e sem uma aferição concreta de um fundado receio de incumprimento, podendo ser eficaz, é demasiado gravosa. Efetivamente, o legislador dispunha de meios menos gravosos para atingir as referidas finalidades cautelares, designadamente por via de medidas de garantia patrimonial, semelhantes à caução económica prevista no art. 227.º, do CPP e que assentam num fun- dado receio casuisticamente aferido.» Todavia, há argumentos que parecem impor a conclusão contrária. Por um lado, a admissibilidade da reformatio in pejus , consagrada no n.º 1 do artigo 50.º do RSSE, não pode ser vista como uma alternativa igualmente eficaz e menos lesiva à regra do efeito meramente devolutivo da impugnação judicial: quer seja porque ela surge, no quadro legal, não como uma solução alternativa, mas como uma medida suplementar ou cumulativa, para dissuadir a impugnação judicial; quer seja porque ela não permite alcançar outro dos desideratos da medida sob escrutínio, a garantia do cumprimento da sanção; quer seja, finalmente, porque é tudo menos evidente que se trate de uma medida menos lesiva do que a regra do efeito meramente devolutivo – sendo certo, em todo o caso, que é uma medida cujo alcance restritivo é de natureza diversa, atingindo, sobretudo, o direito de acesso aos tribunais. Neste contexto, de incerteza sobre a função, a eficácia e a lesividade relativas das medidas sujeitas a comparação, cabe respeitar a liberdade do legislador de adotar a solução que entenda necessária. Por outro lado, a solução alternativa proposta pelo tribunal recorrido – o recurso a medidas de garantia patrimonial do cumprimento da sanção –, pese embora apta a prosseguir as finalidades cautelares ou de garantia da não suspensão da execução da sanção, não permite decerto alcançar, pelo menos com a eficácia
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