TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
448 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A essa questão não pode deixar de se dar uma resposta afirmativa. Como se escreveu, a esse respeito, no Acórdão n.º 675/16: «11. O princípio da presunção de inocência pertence àquela classe de princípios materiais do processo penal que, enquanto constitutivos do Estado de direito democrático, são extensíveis ao direito sancionatório público. Sendo expressão do direito individual das garantias de defesa e de audiência, este princípio encontra, pois, aplica- ção também no processo contraordenacional, como decorre dos n. os 2 e 10 do artigo 32.º da Constituição. Nestes termos, no processo contraordenacional, como em qualquer outro processo sancionatório, o arguido presume-se inocente até se tornar definitiva a decisão sancionatória contra si proferida, o que, neste caso, se con- substancia no momento em que a decisão administrativa se torne inatacável ou, no caso de impugnação, até ao trânsito em julgado da sentença judicial que dela conhecer. O estatuto processual do arguido no processo contraordenacional, enformado pela garantia da presunção de inocência, permite, por exemplo – e para o que agora releva –, que o tratamento do arguido ao longo de todo o processo seja configurado sem perder de vista a possibilidade de verificação da sua inocência, não sendo de admitir, designadamente, que a autoridade administrativa considere o arguido culpado antes de formalizar o juízo sancio- natório de forma necessariamente fundamentada.» Firmada tal premissa, coloca-se agora a questão de saber se o regime consagrado nos n. os 4 e 5 do artigo 46.º do RSSE, constitui uma restrição do direito da entidade visada pelo procedimento contraordenacional a ser presumida inocente. No Acórdão n.º 675/16, entendeu-se não ser esse o caso, pelas seguintes razões: «(…) Ora, sendo assim, pelo regime delineado não se nega – antes é reconhecido – o direito do arguido impugnar a decisão sancionatória proferida pela autoridade administrativa e, com o exercício desse direito, continuar a benefi- ciar do estatuto de inocente. Simplesmente, a suspensão da decisão sancionatória fica dependente do cumprimento de uma garantia imposta pelo legislador. É certo que o efeito meramente devolutivo recurso não impede a instauração de execução da coima fixada pela autoridade administrativa e implica, consequentemente, a possibilidade de penhora do seu património, consoli- dando no plano factual, e apesar da impugnação contenciosa, o eventual prejuízo do visado. A procedência do recurso, não evitará o prejuízo do recorrente nem assegurará a sua plena reparação. O problema de constitucionalidade colocado pela norma desaplicada pelo tribunal a quo não reside, todavia, na atribuição legal, per se, do efeito meramente devolutivo à impugnação judicial (o recurso) da decisão administra- tiva sancionatória. Estamos, com efeito, diante de normas que se limitam a estabelecer a disciplina, concretamente o efeito, do recurso da decisão sancionatória, em que a prestação da caução emerge como um ónus para o recor- rente que pretenda obter o efeito suspensivo, e não a definição do regime de execução de uma medida antecipató- ria da sanção administrativamente imposta. A execução da coima é consequência prática do regime que impõe a prestação de caução, não constituindo, porém, o seu conteúdo normativo. Neste domínio, o arguido continua a presumir-se inocente até se tornar definitiva a decisão judicial relativa à impugnação da sanção contra si proferida, pelo menos prima facie . (…)» Todavia, parece difícil negar que a (possibilidade de) execução imediata de uma sanção baseada em condenação administrativa com a qual o visado se não conforma, e que pretende discutir em juízo, atinge o direito à presunção de inocência. A extensão do princípio da presunção de inocência aos processos con- traordenacionais implica que o arguido deve ser presumido inocente – o que significa, desde logo, que não deverá sofrer qualquer sanção punitiva –, até que se verifiquem umas de duas condições: a consolidação da condenação administrativa pelo facto da sua não impugnação dentro do prazo previsto na lei ou a confir- mação da condenação administrativa no âmbito de recurso judicial interposto pelo arguido. A execução da
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