TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

446 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL judiciária, que implica que sejam outorgados ao interessado os meios ou instrumentos processuais adequados para fazer valer em juízo, de forma efetiva, o seu direito. Uma das dimensões em que se concretiza a garantia da via judiciária é justamente o direito de acesso, sem constrangimentos substanciais, ao órgão jurisdicional para ver dirimido um litígio A norma objeto do processo estabelece que só pode ser atribuído efeito suspensivo à impugnação de deci- sões que apliquem coima quando a sua execução cause “prejuízo considerável” ao visado e este preste caução. O ónus imposto ao recorrente pela norma sindicada reporta-se tão-somente ao efeito do recurso. No entanto, por sua causa, o recurso à via judicial para impugnar a decisão administrativa só consegue impedir a imediata execução da sanção administrativa visada pela impugnação, provado que seja o “prejuízo considerável” que a sua execução causa, mediante a prestação de uma caução que substitua o pagamento da coima. Desta forma, a norma condiciona o efeito útil imediato da impugnação a um ónus que, afinal, se concretiza no cumprimento de uma prestação que equivale ao cumprimento da coima. Daqui resulta que, de facto, antes de contestar judicialmente a sanção aplicada, o sancionado é, na prática, obrigado a cumpri-la. Note-se o elevado nível de oneração imposto: não só é necessário demonstrar que a execução da decisão sancionatória causa “prejuízo considerável” como, para além disso, é necessário prestar uma caução em sua substituição – tendo como consequência a concretização do referido prejuízo. A norma sindicada cria, na verdade, um obstáculo ao efetivo direito de tutela contra atos lesivos da administração pública que, por incidir sobre os efeitos da impugnação de uma medida sancionatória, se reflete negativamente na presunção de inocência garantida ao arguido. Um tal regime implica, portanto, uma restrição do acesso à via judicial. Na verdade, a garantia de uma via judiciária de tutela efetiva implica não apenas que a impugnação judicial garanta ao arguido a possibilidade de ver reapreciados todos os fundamentos da decisão impugnada, mas também a possibilidade de evitar os seus efeitos.» Como afirma o Tribunal nas passagens transcritas, a regra do efeito meramente devolutivo da impugna- ção judicial das decisões sancionatórias não constitui qualquer restrição direta ao direito de acesso à justiça. Entende-se, porém, que ela implica uma restrição oblíqua, na medida em que impõe um ónus significativo – a demonstração de prejuízo considerável e a prestação de caução substitutiva –, para a suspensão dos efeitos da decisão impugnada. Por outras palavras, a lei não interdita, mas condiciona, o acesso aos tribunais. Ora, tal argumento não releva a distinção entre ónus de acesso à justiça para impugnar a validade de uma decisão sancionatória e ónus de suspensão da execução da decisão sancionatória impugnada. Uma coisa é a lei levantar obstáculos no acesso à justiça ou onerar o recurso à tutela jurisdicional; sendo da natureza do ónus a imposição de uma desvantagem ou um encargo como condição necessária da obtenção de uma vantagem ou de um benefício, um ónus de acesso ao direito importa que o sujeito sobre o qual impende tenha de incorrer num prejuízo – ou, pelo menos, preencher, por sua conta, determinada condição — para poder realizar o seu interesse em provocar a intervenção judicial. A taxa de justiça inicial é o paradigma de um ónus de acesso ao direito, nesse sentido rigoroso e próprio, porque implica que o recurso aos tribunais está condicionado ao pagamento de uma quantia pecuniária. Coisa bem diversa é a lei, sem impor qualquer ónus especial para que o impugnante discuta em juízo a validade de uma decisão sancionatória, estabelecer um ónus para que essa impugnação tenha por efeito a suspensão da execução da sanção. Nesse caso, que é aquele a que diz respeito a solução legal sob escrutínio, não se onera o acesso aos tribunais para que estes apreciem a justeza da condenação proferida e da sanção aplicada no procedimento contraordenacional; o que se onera é a obtenção de uma vantagem normalmente associada à impugnação judicial das decisões sancionatórias da Administração no âmbito de procedimento contraordenacional, mas que com ela indubitavelmente se não confunde – a suspensão da execução da san- ção. Que tal ónus não diz respeito ao acesso à justiça, apenas aos seus efeitos imediatos na decisão recorrida, é o que o demonstra o facto de ele não impor qualquer condição no recurso aos tribunais ou onerar a decisão propriamente dita de recorrer aos tribunais, mas apenas a realização do interesse – conexo, mas diverso, do interesse em aceder à justiça – de inibir a execução da sanção impugnada. Tanto é assim que se a decisão

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