TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

444 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL estatal trouxe consigo a necessidade de separar a regulação do funcionamento do mercado e a intervenção das entidades públicas enquanto sujeitos económicos. É a atribuição de independência orgânica, traduzida na impossibilidade de destituição discricionária pelo Governo dos titulares dos órgãos diretivos das entidades reguladoras, e de independência funcional, que subtrai essas entidades ao poder de superintendência e tutela governamentais, que permite resolver essa dualidade do papel do Estado em relação a setores do mercado liberalizados (cfr. Fernanda Maçãs, «O controlo jurisdicional das autoridades administrativas independentes», in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 58, Julho/agosto 2006, págs. 22-23). É precisamente com base em tais características que se tem entendido que o surgimento das entidades regu- ladoras escapa aos cânones tradicionais de classificação da estrutura e funções do Estado, havendo quem lhes reconheça uma natureza «quase-jurisdicional» ou mesmo a expressão de uma espécie de «quarto poder», o que não pode deixar de ter algum reflexo nas clássicas estruturas normativas que tradicionalmente são chamadas a regular o exercício do poder sancionatório por parte da administração pública (cfr. Fernanda Maçãs, ob. cit. , e Alexandre de Albuquerque/Pedro de Albuquerque, «O controlo contencioso da atividade das entidades de regulação econó- mica», em Regulação e Concorrência , Almedina, pág. 268). (…) Antecipa-se, sem dificuldade, que o legislador, na modelação do regime de impugnação das decisões sanciona- tórias proferidas por tais entidades administrativas, tenha ponderado a necessidade de conferir maior eficácia aos respetivos poderes sancionatórios, de modo a garantir, no plano substantivo, uma maior proteção aos valores e bens tutelados nos específicos domínios normativos em que atuam. Atribuindo, em regra, efeito devolutivo ao recurso, e condicionando o efeito suspensivo à prestação de caução e à existência de «prejuízo considerável», procura-se minimizar os recursos judiciais infundados cujo objetivo seja protelar no tempo o pagamento da coima. (…)» 10. As considerações feitas no Acórdão n.º 376/16, a propósito da Autoridade da Concorrência, são plenamente aplicáveis ao caso da ERSE, como é reconhecido no Acórdão n.º 675/16. Nos termos dos seus Estatutos (aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 97/2002, de 12 de abril, por sua vez alterado pelo Decreto-Lei n.º 200/2002, de 25 de setembro, revistos pelo Decreto-Lei n.º 212/2012, de 25 de setembro, e novamente alterados e republicados pelo Decreto-Lei n.º 84/2013 de 25 de junho), a ERSE é uma pessoa coletiva de direito público, com a natureza de entidade administrativa independente (artigo 1.º, n.º 1), investida de competências de regulação, regulamentação, supervisão, fiscalização e sancio- natórias (artigo 1.º, n.º 2). A ERSE tem por objeto a regulação dos setores da eletricidade e do gás natural, bem como da atividade de gestão de operações da rede de mobilidade elétrica, em conformidade com o disposto no regime de enqua- dramento das entidades reguladoras, na legislação setorial, nos seus Estatutos, e na regulamentação aplicável, ao nível nacional, da União Europeia e internacional (artigo 1.º, n.º 3), sendo independente no exercício das suas funções (artigo 2.º, n.º 2). A regulação da ERSE tem por finalidade promover a eficiência e a racio- nalidade das atividades dos setores regulados, em termos objetivos, transparentes, não discriminatórios e concorrenciais, através da sua contínua supervisão e acompanhamento, integrados nos objetivos do mercado interno e dos mercados ibéricos, da eletricidade e do gás natural (artigo 3.º, n.º 1). Entre as suas extensas atribuições, fixadas no n.º 2 do artigo 3.º dos respetivos Estatutos, cabe destacar as seguintes: (i) proteger os direitos e os interesses dos consumidores, em particular dos clientes finais eco- nomicamente vulneráveis, em relação a preços, à forma e qualidade da prestação de serviços, promovendo a sua informação, esclarecimento e formação; (ii) zelar pelo cumprimento, por parte dos agentes do setor, das obrigações de serviço público e demais obrigações estabelecidas na lei e nos regulamentos aplicáveis aos setores regulados; (iii) zelar pelo cumprimento das medidas de salvaguarda em caso de crise energética, tal como definida no Decreto-Lei n.º 114/2001, de 7 de abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 224/2002, de 30 de outubro, e colaborar, no âmbito das suas atribuições, com as entidades competentes em caso de ameaça à segurança das pessoas, equipamentos ou instalações, ou à integridade da rede; (iv) garantir a conformidade

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