TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

441 acórdão n.º 123/18 É ainda de sublinhar que a lei não prevê nenhuma forma de reparação em relação às coimas, designadamente por via de juros indemnizatórios, no caso de devolução da quantia paga caso o recurso de impugnação judicial venha a ser totalmente improcedente. Note-se ainda que está em causa o receio de incumprimento de uma sanção pecuniária, não sendo inerente ao juízo concreto de aplicação dessa sanção a aferição de um receio fundado de incumprimento. Por conseguinte, a solução adotada pelo legislador nos normativos em causa não é equiparável à exequibilidade imediata da sanção acessória prevista no RGICSF que o Tribunal Constitucional apreciou no acórdão n.º 41/04. Efetivamente, neste caso era inerente à decisão de aplicação da sanção (que se traduzia na inibição do exercício de cargos sociais e deter- minadas funções) a necessidade de execução imediata da mesma ou, por outras palavras, o próprio juízo concreto de aplicação da sanção acessória em causa suportava a necessidade da sua aplicação imediata a título cautelar. Impõe-se ainda acrescentar que a possibilidade de evitar o efeito devolutivo mediante a alegação de um prejuízo considerável e a prestação de caução não afasta as asserções precedentes. Com efeito, tal possibilidade não introduz nenhuma aferição em concreto do referido receio fundado de incumprimento, ou seja, não elimina a natureza abstrata da atribuição de efeito devolutivo como regra. Acresce ainda que o efeito suspensivo está condicionado à alegação e demonstração de um prejuízo considerável e sujeito sempre à prestação de caução. Note-se, que mesmo no domínio da fiscalização judicial dos atos administrativos da Administração Pública, que goza dos benefícios e privilégios já referidos, é possível a suspensão da eficácia do ato sem prestação de caução. Para além de violar o direito à tutela jurisdicional efetiva, entende-se que os aludidos preceitos também violam o princípio da presunção de inocência e, neste plano, toma-se como referência de análise o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/90. Admite-se que neste aresto estava em causa uma situação diferente e mais flagrante do que a solução normativa em análise. Contudo, retiram-se do mesmo duas asserções úteis para o caso, designadamente que a garantia cons- titucional da presunção de inocência prevista no art. 32.º/2, da CRP, se aplica, por maioria de razão, também ao processo de contraordenação (…) e que a mesma toma ilegítima manifestamente a imposição de qualquer ónus ou a restrição de direitos ao arguido, que representem a antecipação da condenação. Quanto a esta asserção, citam-se, no acórdão, palavras de Mário Torres, que se reproduzem pela sua clareza e impressividade: [a] sujeição do arguido a uma medida que tenha a mesma natureza de uma pena e que se funde num juízo de probabilidade de futura con- denação viola intoleravelmente a presunção de inocência que lhe é constitucionalmente garantida até à sentença definitiva, pois tal antecipação de pena basear-se-á justamente numa presunção de culpabilidade. É porque se julga o arguido culpado antes de a sua culpa ser firmada em sentença transitada – que se lhe aplicam antecipadamente verdadeiras penas (eventualmente a descontar na pena definitiva). É certo que, tal como se salienta no acórdão do TC n.º 376/16, as sanções aplicáveis no âmbito do ilícito de mera ordenação social não interferem na esfera pessoal do arguido com a mesma intensidade e expressividade que se verifica em relação às sanções criminais. Contudo, se esta diferença justifica que não seja defensável, em geral, uma transposição automática e integral das garantias do processo criminal para o processo de contraordenação, considera-se que não é fundamento para se afastar a aplicação do princípio da presunção de inocência, com o âmbito referido, da fase de impugnação judicial do processo de contraordenação quando se reconhece que, nesta fase e face ao referido incremento do risco de erro e decisões injustas, o poder de aplicação da sanção é transferido para o Tribunal. Conclui-se, assim, que os normativos em causa são materialmente inconstitucionais porquanto violam o direito à tutela jurisdicional efetiva, a presunção de inocência e o princípio da proporcionalidade, consagrados nos arts. 20.º/5, 32.º/2 e 18.º/2, todos da CRP, respetivamente. A sua desaplicação conduz à insusceptibilidade de execução imediata das sanções ou à prestação de qualquer caução, porquanto é esse o efeito decorrente da atribuição à decisão administrativa de um valor meramente enun- ciativo (cfr. art. 62.º/1, do RGCO), como é o caso.» 3. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório para este Tribunal, com vista à apreciação da cons- titucionalidade da norma cuja aplicação foi recusada.

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