TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
439 acórdão n.º 123/18 em processo civil, condenam numa multa ou cominam outra sanção processual [cfr. arts. 644.º/2, al. e) e 647.º/3, al. e) , ambos do CPC]. Reconduzido o direito de impugnação judicial das decisões administrativas que aplicam coimas ao artigo 20.º, da Constituição, impõe-se referir que o diploma fundamental não garante apenas o direito de acesso aos tribunais, mas também a efetividade da tutela jurisdicional, ou seja, a tutela através dos tribunais deve ser efetiva (…). O princípio da efetividade, que está consagrado no n.º 5 do mesmo normativo constitucional, articula-se com uma compreensão unitária da relação entre direitos materiais e direitos processuais, entre direitos fundamentais e orga- nização e processo e garantia (…). Este princípio não pode, assim, ser alheio aos efeitos da tutela jurisdicional. Ora, a atribuição, como regra, de efeito devolutivo ao recurso de impugnação judicial significa que o arguido poderá ter de se sujeitar, pelo menos temporariamente, à execução voluntária ou coerciva da sanção, ou seja, à lesão do direito que pretende proteger, pelo que o recurso à impugnação judicial não evitará a lesão efetiva do direito, nem a sua plena reintegração. No acórdão do TC n.º 376/16, que analisou a norma similar prevista no NRJC e após se reconhecer o efeito exarado no parágrafo precedente, refere-se que não parece que se possa extrair do princípio da tutela jurisdicio- nal efetiva, mesmo estando em causa a impugnação contenciosa de atos administrativos lesivos dos direitos dos particulares, a imposição constitucional da regra do efeito suspensivo (neste sentido, cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, Volume I, 4. ª edição revista, págs. 417-418). Salvo o muito respeito que a decisão nos merece, não se concorda com esta asserção quando aplicada à impug- nação judicial do processo de contraordenação. É que tal como se referiu, não está em causa o direito ao duplo grau de jurisdição e sobretudo não está em causa a reação jurisdicional a uma qualquer decisão administrativa, mas a uma decisão proferida num processo san- cionatório, que contende com direitos fundamentais, e que, mercê, da atribuição de competência decisória, num primeiro momento, à Administração comporta, tal como sustenta Nuno Brandão, “um inevitável incremento do risco de erros e de decisões injustas” (…). Este incremento do risco deriva, conforme se extrai das palavras do mesmo Autor, de dois fatores. Assim, por um lado, o “afastamento da reserva judicial absoluta de jurisdição tem como consequência imediata a atribuição de poderes de investigação e de decisão a autoridades administrativas que estão longe de oferecer as mesmas garantias de autonomia e de independência em relação ao poder executivo do que o Ministério Público e os juízes são porta- dores, que, além disso, são historicamente merecedores de uma muito maior confiança do que a administração na sua capacidade de atuar e decidir com objetividade, isenção e imparcialidade”. Por outro lado, o reconhecimento da competência da Administração, num primeiro nível e que pode ser o único, implica a supressão e limitação dos princípios e garantias constitucionais previstos para o processo penal (…). A derrogação do princípio do acusatório na fase organicamente administrativa é dos exemplos mais expressivos desta supressão e limitação dos referidos princípios. É certo que, tal como tem entendido o Tribunal Constitucional, a fase administrativa do processo contraorde- nacional pode assumir uma estrutura inquisitória típica, porquanto o princípio da estrutura acusatória do processo é restrito ao processo criminal, não sendo estendido a este outro tipo de processo sancionatório (acórdão do TC n.º 595/12) (…). Trata-se, por conseguinte, de uma solução que cabe na discricionariedade legislativa, mas que não decorre das garantias constitucionais relativas ao processo de contraordenação (acórdão do TC n.º 595/12). Contudo, aceita-se que seja assim porque, entre o mais, é garantida a impugnação [da decisão administrativa] em todos os seus aspetos lesivos, perante um tribunal independente e imparcial e com plena jurisdição, mediante um processo contraditório (acórdão do TC n.º 595/12). Neste sentido se pronunciou também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) no acórdão Menarini Diagnostics S.r.1. v. Itália, de 27.09.2011 e no acórdão Grande Stevens v. Itália, de 04.03.2014. Conclui-se, assim, que, no âmbito de um processo de contraordenação com as especificidades assinaladas, a impugnação judicial da decisão administrativa perante um Tribunal independente e perante um Tribunal com ple- nos poderes de jurisdição, é garantia necessária e decisiva da posição do arguido. É exigida, na verdade, pelo direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art. 20.º/5, da CRP.
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