TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

438 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a ter um valor meramente enunciativo; sobre a questão em análise pronunciou-se o Tribunal da Relação de Évora que, em acórdão de 11.07.2013, relativamente ao artigo 35.º, da Lei n.º 107/2009, de 14.09, declarou a norma não inconstitucional; por fim, a prestação de uma caução, no caso concreto, não seria violadora do princípio da proporcionalidade. A recorrente também se pronunciou sobre a questão, sustentando que a norma é ostensivamente inconstitucio- nal, quer por violação do princípio da presunção de inocência, quer por violação do direito de acesso aos Tribunais (ref.ª 21677, fls. 696 e 697). Concorda-se com a recorrente. Vejamos. Nos preceitos em causa e bem assim noutros similares, como o artigo 84.º/4 e 5, do Novo Regime Jurí- dico da Concorrência, artigo 67.º, n.º 5, dos Estatutos da Entidade Reguladora da Saúde, aprovados pelo DL n.º 126/2014, de 22.08, e artigo 35.º do Regime Processual Aplicável às Contraordenações Laborais e de Segu- rança Social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14.09, o legislador, a coberto da fixação dos efeitos do recurso, veio admitir, na verdade e como regra, a execução antecipada das coimas aplicadas pela ERSE num processo de contraordenação, antes das mesmas se tornarem definitivas. Uma solução aparentemente similar à executoriedade imediata dos atos administrativos da Administração Pública. Sucede que essa aproximação ignora a natureza distinta da fiscalização jurisdicional em causa, designadamente que não se trata de um controlo de mera legalidade, de natureza puramente administrativa, no quadro nacional, mas de um sistema jurisdicional, de plena jurisdição e de índole para-penal, atenta a gravidade das sanções e as suas finalidades punitivas e preventivas, que podem mesmo incluir a responsabilização de pessoas singulares. Em coerência, são subsidiariamente aplicáveis aos processos [de contraordenação] as regras e princípios de direito penal e processual penal (…) – cfr. artigos 32.º, e 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) e 45.º, do RSSE. Por conseguinte, não são transponíveis para este domínio os fundamentos que tradicionalmente são invocados para sustentar a executoriedade imediata dos atos administrativos da Administração Pública. Equivale isto a dizer que não existe qualquer fundamento para se reconhecer que as decisões proferidas pela ERSE em processos de contraordenação gozam do benefício de excussão prévia ou da presunção de legalidade que tradicionalmente são reconhecidos aos atos administrativos da Administração Pública. Não se vislumbram também razões de ordem pragmática suscetíveis de justificar a execução antecipada das sanções, uma vez que as mesmas não se destinam a satisfazer necessidades imediatas, nem há perigo de paralisação das atribuições da ERSE caso se aguarde pela definitividade da decisão. Consequentemente, é seguro afirmar-se que, pese embora a assinalada similitude de efeitos, a solução normativa em análise não pode ir buscar o seu fundamento à executoriedade imediata dos atos administrativos da Administração Pública. Quanto à possibilidade de tudo se reconduzir à questão dos efeitos do recurso e à liberdade de conformação que o legislador ordinário goza nesta matéria, é necessário ter em conta que o direito de impugnação judicial das decisões administrativas que aplicam coimas não é uma expressão do direito ao recurso dentro da hierarquia jurisdicional, mas sim do direito de acesso aos tribunais, previsto no artigo 20.º, da Constituição (…), uma vez que a impugnação judicial não incide sobre uma decisão judicial. Estamos, assim e tal como sustentam José Lobo Moutinho e Pedro Garcia Marques, perante um direito constitucionalmente consagrado como momento básico da defesa do arguido em processo de contraordenações e como contrapeso à atribuição de poderes sancionatórios à administração (…), ou seja, de um direito de ação. Nesta medida, não se podem chamar à colação, enquanto fun- damento, soluções normativas como as previstas nos artigos 408.º, n.º 2, al a) , do CPP, e 647.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (CPC) ou a específica configuração do direito ao recurso em processo penal, previsto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição ou ainda a jurisprudência do TEDH que incide sobre casos em que estava em causa o direito ao recurso dentro da hierarquia jurisdicional, como é o aresto citado pela ERSE ( Garcia Manibarbo v. Espanha ). Em todo o caso, sempre se chama a atenção para a circunstância do efeito meramente devolutivo não se poder considerar a regra no domínio do direito sancionatório em relação às decisões de condenação. Efetivamente, não é esse o efeito dos recursos judiciais das decisões finais condenatórias proferidas em processo-crime [cfr. art. 408.º/1, al. a) , do CPP] e, mais flagrante ainda, não é também esse o efeito dos recursos judiciais das decisões que,

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