TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

425 acórdão n.º 105/18 Nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, a irregularidade «só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar, quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado». Embora não especificamente a respeito da norma em crise nestes autos, este Tribunal já se pronunciou sobre casos em que igualmente se discutia a constitucionalidade da consequência – nulidade insanável, nulidade dependente de arguição ou mera irregularidade – ligada ao incumprimento de ónus ou imposições processuais. Para aquilatar dessa suficiência, convém ter presente, por um lado, que o vício em causa – a preterição do ato obrigatório de audição prévia do arguido – é facilmente detetável e que a sua invocação não exige uma especial análise do processo, pelo que o regime legal convocável por via da sua qualificação como irregulari- dade não se traduz num ónus excessivo ou desproporcionado, impendente sobre o arguido prejudicado pelo vício (menos ainda nas circunstâncias do caso presente). De facto, encontrando-se a reposição da legalidade, relativamente ao cumprimento efetivo da formali- dade de audição, prevista no artigo 215.º, n.º 4, do CPP, apenas dependente da arguição do respetivo vício pelo arguido, nos termos plasmados no artigo 123.º, n.º 1, do referido diploma, sendo que o mesmo se encontra assistido por defensor, não se vislumbra que esse condicionamento extravase o âmbito de confor- mação confiado ao legislador, que optou por não colocar todos os vícios no mesmo plano, «gradua[ndo] os seus efeitos de acordo com a respetiva gravidade», como pode ler-se no Acórdão n.º 350/06, tendo em conta a necessidade de equilíbrio entre a realização da pretensão punitiva do Estado e a tutela de direitos funda- mentais dos arguidos. No Acórdão n.º 429/95 – que, a propósito da nulidade resultante da omissão do dever de informar os arguidos do que se passou, em audiência, na sua ausência, nos casos em que é determinada a audição em separado dos co-arguidos, concluiu pela não desconformidade constitucional das «normas do artigo 343.º, n.º 4, conjugada com a do artigo 120.º, ambos do CPP, interpretadas no sentido de que a nulidade prevista na primeira das referidas normas é sanável» – pode ler-se, nomeadamente, o seguinte: «Com efeito, como bem faz ressaltar o Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal nas suas alegações, no processo penal existem outros valores relevantes para além do direito da defesa à obtenção de uma sentença absolutória: – o dever de diligência do arguido – e, muito em particular, do defensor que obrigatoriamente o deve assistir ao longo do processo (e da audiência) – que obviamente deverão de imediato reagir contra as nulidades ou irregularidades que considerem cometidas e entendam relevantes, na perspectiva de defesa, não podendo naturalmente escudar-se na sua própria negligência no acompanhamento das diligências ou audiências para intempestivamente vir reclamar o cumprimento da lei relativamente a que estiveram presentes e de que, agin- do com a prudência normal, não puderam deixar de se aperceber; – dever de boa fé processual, que naturalmente impedirá que possam – arguido e defensor – ser tentados a aproveitar-se de alguma omissão ou irregularidade porventura cometida ao longo dos actos processuais em que tiveram intervenção, guardando-a como um «trunfo» para, em fase ulterior do processo, se e quando tal lhes pareça conveniente, a suscitarem e obterem a destruição do processado». Nestes termos, aplicando as considerações expendidas ao critério normativo aqui em apreciação, dire- mos que a interpretação, extraída da conjugação dos artigos 118.º, n. os 1 e 2, 123.º, n.º 1, e 215.º, n. os 3 e 4, todos do CPP, conducente ao sentido de que constitui mera irregularidade a não audição do arguido sobre o requerimento do Ministério Público tendente à declaração da especial complexidade do procedimento, em momento prévio à prolação do despacho judicial que defira esse requerimento, procedendo a tal declaração, não se apresenta desconforme à Constituição, não extravasando a margem de liberdade que é conferida ao legislador, no âmbito da definição dos vícios correspondentes ao incumprimento das disposições processuais penais.

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