TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
424 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a realização da justiça penal relativamente a eles». A declaração da especial complexidade do processo, que cabe ao juiz, implica que o mesmo sindique «se existe, materialmente, a situação cautelar que corresponde àquela cujo recorte é feito pelo legislador como justificando a concreta elevação dos prazos máximos da prisão preventiva para poder acautelar, de modo proporcionado e razoável, concomitantemente, a satisfação dos interesses da realização efetiva da justiça penal e da menor afetação possível do direito fundamental da liberdade do arguido». 9. Posto isto, tal como delimitada a questão a decidir, o parâmetro constitucional que apresenta uma relação mais direta com o critério normativo sujeito a apreciação é o princípio da plenitude dos direitos de defesa, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP. No âmbito da definição do regime de invalidades, o legislador ordinário dispõe de uma margem de liberdade de conformação, condicionada pelo respeito do núcleo essencial do direito envolvido. A questão de saber se a solução normativa, preconizada no critério sob sindicância, se encontra com- preendida no âmbito da liberdade de conformação do legislador infraconstitucional reconduz-se, no fundo, à averiguação sobre se a modalidade e intensidade da violação do direito em causa – especificamente, o direito ao exercício do contraditório – vincula, constitucionalmente, à consagração de uma solução mais grave – no âmbito dos vícios de incumprimento das disposições legais – do que a irregularidade. Nos termos do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, “[o] processo criminal assegura todas as garantias de defesa” e, de acordo com o n.º 5 do mesmo preceito, a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei deter- minar encontram-se subordinados ao princípio do contraditório. O preceito do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, ao dispor que «o processo penal assegurará todas as garantias de defesa», funciona como cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da proteção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, 4.ª edição revista, I Vol., p. 516). Nas palavras de Figueiredo Dias [ Direito Processual Penal , 1.ª reimp., Coimbra Editora, 2004 (1.ª ed.: 1974), p. 142], as garantias de defesa impõem um processo estruturado de forma a que ao arguido seja assegurada «a mais ampla possibilidade de tomar posição, a todo o momento, sobre o material que possa ser feito valer processualmente contra si (…)». No âmbito do Acórdão n.º 555/08, o Tribunal Constitucional concluiu: «[a excepcional complexidade do procedimento] é qualificação que, nos termos do n.º 3 do artigo 213.º do CPP, acarreta a elevação dos prazos de prisão preventiva. Por conseguinte, a decisão afecta[ ]pessoalmente[o arguido], incidindo directamente no núcleo do seu direito fundamental à liberdade, pois é susceptível de provocar a extensão temporal de uma medida de coacção que o priva desse bem primário, sendo certo que, por imperativo constitucional (artigo 32.º, n.º 2, da CRP), ele é presumido inocente. É quanto basta para considerar que aqui se fazem sentir, de forma particularmente intensa, as razões garantísticas que dão suporte axiológico ao direito de audição, arredando qualquer justificação, no plano da legitimidade constitucional, de uma interpretação que a dispense». Naquele aresto, porém, o Tribunal Constitucional apenas se pronunciou sobre a obrigatoriedade de audição do arguido, em caso de declaração oficiosa de excecional complexidade do processo, julgando incons- titucional a interpretação normativa, extraída do artigo 215.º, n.º 4, do CPP, conducente à negação dessa obrigatoriedade (itálico nosso). A questão que se coloca no âmbito dos presentes autos é diversa, por não ser problematizada essa obri- gatoriedade, sendo, pelo contrário, a mesma pressuposta, a ponto de ser considerado assente que o incum- primento dessa imposição se traduz num vício. A questão decidenda prende-se, como já referimos, com a suficiência, em termos de exigências constitucionais, da qualificação do vício em causa como irregularidade.
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