TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

412 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL e alcance não se podiam ter como certos –] com que os interessados podiam e deviam contar, não é suscetível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas» (cfr. Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 246). Diferentemente, se a lei nova se pretende aplicar a factos e situações jurídicas anteriormente disciplinados por um direito certo, então este último é modificado, violando-se expectativas quanto à sua continuidade, e tal lei, na medida em que inove relativamente ao direito anterior, será substancial ou materialmente retroativa (cfr. idem , ibidem , p. 247). Na ótica da tutela da confiança dos destinatários do direito, releva que a lei interpretativa formalmente retroa- tiva apenas declara o direito preexistente; ao passo que a lei interpretativa substancialmente retroativa, ao modificar o direito preexistente, constitui direito novo. Pode suceder – e sucede com alguma frequência – que o legislador declare ou qualifique expressamente como “interpretativa” certa disposição de uma lei nova, mesmo quando essa disposição seja na realidade inovadora. Uma lei que modifique o direito preexistente – o mesmo é dizer, que constitua direito novo – sob a capa de “lei interpretativa” violará necessariamente uma eventual proibição de leis retroativas válida para o seu âmbito de aplicação material. (…) É o que se verifica em relação à norma objeto do presente recurso: de acordo com a interpretação feita na decisão recorrida, a solução normativa resultante da conjugação dos n. os 1, alínea e) , e 7, do artigo 7.º do CIS, con- sagrada na sequência do aditamento do citado n.º 7 pelo artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016 é inovadora e aumenta a coleta de Imposto do Selo devida, ou seja, agrava desfavoravelmente o modo de calcular o quantum devido a título daquele Imposto. A determinação da aplicação de tal solução a anos fiscais anteriores ao da entrada em vigor da referida Lei n.º 7-A/2016 prevista no seu artigo 154.º torna-a, por conseguinte, substancialmente retroativa e, nessa mesma medida, incompatível com a proibição da imposição de impostos retroativos do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. Em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, a interpretação do direito infraconstitucional feita pelo tribunal recorrido é, em princípio, vinculativa para o Tribunal Constitucional, já que a este (…) compete «julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação» (artigo 79.º-C da LTC). No entanto, tal não impede o Tribunal Constitucional, se assim o entender justificadamente, de se afastar da interpretação acolhida pela decisão recorrida, e de a substituir por outra, desde que conforme à Constituição (cfr. o artigo 80.º, n.º 3, da LTC). Com efeito, tal possibilidade é inerente à natureza jurisdicional do Tribunal Constitucional e assegura que a função depuradora própria da fiscalização concreta da constitucionalidade a seu cargo se exerça sobre normas de direito infraconstitucional resultantes de interpretações não unilaterais e, tanto quanto possível, partilhadas pela generalidade dos tribunais. No caso sub iudice , contudo, inexistem razões para afastar a caracterização como inovadora da solução norma- tiva resultante da conjugação dos n. os 1, alínea e) , e 7, do artigo 7.º do CIS, consagrada na sequência da alteração introduzida nesse Código pelo artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016. A decisão recorrida fundamentou devidamente tal caráter inovador. Assim, não deve o Tribunal Constitucional corrigir a interpretação da norma recusada aplicar pelo tribunal a quo nem inverter o juízo de inconstitucionalidade por este formulado. (…) De todo o modo, ainda que tal interpretação se pudesse ter como controvertida, nomeadamente com base na existência de decisões judiciais com sentido diferente do acolhido na decisão ora recorrida, seria de aplicar a doutrina seguida no Acórdão n.º 267/17, pelos fundamentos nele expostos: do ponto de vista da Constituição, para que uma disciplina normativa autoqualificada como meramente interpretativa seja considerada constitutiva de novo direito e, como tal, substancialmente retroativa, é condição suficiente a verificação de que à norma inter- pretada na sua primitiva versão pudesse ter sido imputado pelos tribunais um sentido que, na sequência da norma interpretativa, ficou necessariamente excluído.” 9. Pelo exposto, conclui-se pela inconstitucionalidade, por violação da proibição de criar impostos com natureza retroativa, estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, da norma do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, no segmento em que, atribuindo caráter meramente interpretativo ao n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, aditado pelo artigo 152.º da mesma Lei, determina a aplicabilidade, em anos fiscais anteriores a 2016, da norma do mesmo n.º 7, em conjugação

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