TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
367 acórdão n.º 77/18 responsáveis financeiros, mas não diretamente sobre os beneficiários dos pagamentos que aqueles tenham indevidamente feito. É, de facto, assim. Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 214.º da Constituição, a jurisdição do Tribunal de Contas, neste âmbito, é restrita à efetivação da responsabilidade por infrações financeiras, pelo que não poderiam aquelas disposições alargar essa jurisdição a outras matérias, mesmo que com elas conexas. Não se pode, por isso, exigir daquelas normas que façam depender expressamente o exercício da competência do Tribunal de Contas de uma qualquer atuação que extravasa o âmbito da sua jurisdição. Mas isso não desonera o legislador de cuidar de saber se a exigência que faz àqueles responsáveis é ou não excessiva, tendo em conta a relação entre o sacrifício imposto e os benefícios que dela resultam para o interesse público na reintegração do património público lesado. Ora, ao permitir que se exija daqueles responsáveis a reintegração da totalidade da lesão patrimonial sofrida pelo erário público, quaisquer que sejam as circunstâncias em que os mesmos se encontrem relativa- mente ao destino das quantias indevidamente pagas, e quaisquer que sejam os valores a restituir, as disposi- ções legais em questão impõem uma compressão injustificada do seu património, que assim é transformado numa espécie de garantia legal do Estado. Não se põe em causa, evidentemente, que o património do responsável financeiro responda pela tota- lidade das quantias indevidamente pagas que tenham sido por si recebidas, ou das quais tenha diretamente beneficiado, mas apenas que responda também pela totalidade das quantias pagas a terceiros, cuja restituição não está na sua disponibilidade e implica, para ele, uma perda patrimonial imediata equivalente à que o Estado havia sofrido, qualquer que seja o seu valor, e independentemente da sua capacidade financeira para suportar aquela perda em face das suas necessidades pessoais. Nem se considera indispensável convocar a ausência de uma previsão legal expressa a conferir àquele responsável o direito de regresso sobre os beneficiários dos pagamentos indevidamente feitos para se concluir pela desproporção daquela exigência legal. Mesmo que ele eventualmente possa exigir o regresso, nos ter- mos das regras e princípios gerais aplicáveis à responsabilidade civil, não deixa de ser especialmente oneroso impor-lhe que responda, prima facie , pela totalidade da lesão patrimonial do Estado, sendo assim remetido para uma discussão judicial autónoma cuja complexidade e morosidade exigiria dele um sacrifício igual- mente incomportável. O que impressiona, nestas circunstâncias, é que o legislador faça recair a responsabilidade financeira reintegratória, pela totalidade das verbas indevidamente pagas a terceiros, exclusivamente dos gestores daque- les dinheiros públicos, não apenas sem se interessar em exigir a sua restituição daqueles que delas beneficia- ram mas, sobretudo, sem cuidar de saber do impacto que essa restituição pode ter sobre a própria situação patrimonial do responsável. Acresce, além do mais, que por força daquele regime legal, aqueles gestores, sendo dirigentes ou mem- bros dos órgãos de gestão administrativa de serviços ou entidades públicas, ou outros titulares de altos cargos públicos, estão antecipadamente colocados numa posição de garante exclusivo do Estado por quais- quer pagamentos indevidos pelos quais venham a ser responsabilizados, o que representa para eles um risco que, do mesmo modo, condiciona desproporcionadamente o exercício das suas funções à luz das exigências impostas pelo dever de boa administração que sobre eles recai. Tem, pois, razão o recorrente, quando argumenta com o caráter excessivo do regime da responsabilidade financeira reintegratória, na medida em que exige dele a restituição da totalidade dos valores indevidamente pagos aos vogais B. e C. a título de remuneração. 6. Nessa medida, as normas que consagram aquele regime legal falham também o terceiro teste do princípio da proporcionalidade – o da justa medida (ou proporcionalidade em sentido estrito) – pois são excessivamente onerosas para o agente da ação, por comparação com os benefícios que delas resultam para a prossecução do interesse público, que se satisfaz igualmente pela restituição das quantias indevidamente pagas pelos seus beneficiários.
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