TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
365 acórdão n.º 77/18 59.º, 60,º e 61.º da LOPTC, e que determina que “a restituição dos valores indevidamente pagos a título de remuneração cabe, no todo ou em parte, somente à pessoa que autorizou, a título de negligência, o paga- mento das despesas atinentes às remunerações”. Não apenas teria admitido o conhecimento dessa questão, como teria julgado inconstitucional aquela norma. Em minha opinião, a questão suscitada não tem que ver com o quantum da responsabilidade exigida ao recorrente, mas com a circunstância de ela lhe ser exclusivamente imputável. A desproporção alegada não está, por isso, na decisão concreta de fixação do montante que o recorrente deverá pagar ao Erário Público para o tornar indemne do dano patrimonial causado pelos pagamentos indevidos aos vogais B. e C., mas no parâmetro normativo que permite – ou mesmo impõe – que ele seja o único sujeito chamado a responder por esse dano. Trata-se inequivocamente de uma questão com dimensão normativa. 2. O princípio da proporcionalidade, ou da proibição do excesso, é como se sabe, um princípio cons- titucional estruturante do Estado de direito democrático, ao qual se encontram submetidos genericamente todos os poderes do Estado, incluindo o poder legislativo. Está, por isso, fora de qualquer margem de dúvida que as normas da LOPTC cuja constitucionalidade o recorrente põe em causa se encontram submetidas ao referido princípio. Acresce que as normas que estabelecem o regime da responsabilidade financeira reintegratória, na medida em que afetam a garantia patrimonial geral que se contém no artigo 62.º da Constituição, não podem deixar de ser entendidas como restritivas de um direito fundamental, cuja natureza análoga aos direitos liberdades e garantias este Tribunal tem reiteradamente afirmado (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 431/94, 267/95, 239/99, 187/01, 491/02, 496/08). E, nessa medida, é também inequívoco que a admissibilidade daquela restrição tem de ser avaliada à luz do princípio da proporcionalidade, como impõe o n.º 2 do artigo 18.º da Lei Fundamental. Na verdade, ao estabelecer que os agentes que autorizem pagamentos indevidos a terceiros respon- dem pessoalmente pelos danos patrimoniais causados ao Estado, aquelas normas impõem claramente uma compressão da sua situação patrimonial, e nessa medida afetam negativamente a respetiva posição jurídica subjetiva jusfundamental titulada genericamente pelo direito de propriedade garantido pelo artigo 62.º da Constituição. Não se questiona que o legislador possa – e mesmo que deva – responsabilizar todos os funcionários e agentes do Estado que incumprirem culposamente os deveres de legalidade e regularidade financeira a que se encontrem adstritos, assegurando, sem prejuízo da efetivação de outras formas de responsabilidade, a repa- ração da lesão patrimonial que os mesmos tenham causado ao erário público. É óbvio que há fundamento constitucional bastante para impor aquela restrição ou afetação, pois num Estado de direito democrático o princípio da responsabilidade civil, enquanto expressão da defesa dos direitos e interesses legalmente prote- gidos dos cidadãos, é ele próprio um princípio constitucional estruturante. O que se discute, então, não é se aquela posição jurídica pode ser objeto de restrição, com aquele fun- damento, mas apenas se a restrição imposta é excessiva, violando, na medida desse excesso, o princípio da proporcionalidade consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. 3. O que se disse obriga, em consonância com a jurisprudência consolidada deste Tribunal, ao exame sequencial das três dimensões normativas que compõem o princípio da proporcionalidade: (i) a adequação; (ii) a necessidade; (iii) e a justa medida. No que toca ao controlo da adequação, é de exigir que as medidas legais em escrutínio revelem ser aptas à prossecução do fim público que justifica a sua adoção. Por outras palavras, a solução legal deve constituir um meio idóneo à prossecução do fim ou fins públicos visados. Ou ainda, numa formulação negativa, as soluções normativas sindicadas não devem ser neutras nem prejudiciais ao alcance desse fim ou fins.
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