TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
363 acórdão n.º 77/18 No caso dos autos, a única razão invocada na douta sentença recorrida para justificar a redução é a ausência de benefício ou vantagem patrimonial para o demandado em relação às verbas percebidas pelos identificados vogais da CNPD. O demandado não reconhece ter procedido ilicitamente, os valores em causa, percebidos a mais ao longo de vários anos pelos vogais são elevados e por isso têm impacto no erário público. Deste modo, e salvo o devido respeito, afigura-se não existir fundamento para [a redução para] cerca de metade as reposições por pagamentos indevidos adotada em primeira instância. Com efeito, embora seja de atender à circunstância de o demandado não ter retirado proveito pessoal das importâncias de € 86 493,35 e € 38 293,34 pagas indevida e respetivamente aos vogais B. e C., a redução da reposição dessas verbas deverá ser mínima, não se justificando que vá além de um quinto, ou seja, tais verbas ficam aqui reduzidas a, respetivamente, € 69 394,70 e € 30 634,70.» É perante estes fundamentos e decisão que o recorrente pretende questionar a interpretação segundo a qual a restituição de valores indevidamente pagos a título de remuneração cabe, no todo ou em parte, somente à pessoa que autorizou, a título de negligência, o pagamento das despesas atinentes às remunerações. 40. Na indagação que importa fazer quanto à dimensão normativa do recurso, não serão absolutamente decisivas a generalidade ou abstração da “norma” construída e enunciada pelo recorrente, embora a falta destas características venha, frequentemente, associada a uma crítica da operação de subsunção em lugar da norma que foi critério da decisão. Por outro lado, a ligação às incidências do caso concreto pode servir como indício de ser mais diretamente a solução do caso do que a norma subjacente que se visa no recurso, sendo que de uma a outra das situações vai a distância entre a admissibilidade do recurso e a inadmissibili- dade deste. Independentemente do valor indiciário daqueles fatores, o que verdadeiramente interessa para a construção de um objeto idóneo de um recurso de fiscalização concreta como aquele que ora se pretende interpor é que se questione “[…] um juízo que o juiz há de retirar [retirou] de uma norma (isto é, […] um critério heterónomo de decisão) de que [ele, juiz] é apenas o mediador”, e não “[…] um juízo que [o juiz] há de emitir [emitiu] segundo o seu próprio critério (para o qual o legislador devolve – na grande massa das situações, até porque não pode ser de outro modo – e no qual confia)” (cfr. José Manuel M. Cardoso da Costa, “Justiça constitucional e jurisdição comum (cooperação ou antagonismo)”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, vol. II, Coimbra, 2012, p. 209, nota 12). 41. Releva o exposto para assinalar que, pese embora as observações do recorrente, na pronúncia sobre o (não) conhecimento do objeto do recurso relativamente à quinta questão de constitucionalidade, sejam formalmente corretas quando afirma que os recursos de fiscalização concreta se podem construir sobre nor- mas em determinada interpretação, já não lhe assiste razão quando conclui que a norma enunciada satisfaz as apontadas exigências. Pese embora a construção formalmente orientada ao puro sentido normativo, o certo é que é o próprio parâmetro (da proporcionalidade) e as incidências do processo (atrás descritas) que não permitem destacar, com a necessária autonomia, a pretendida “norma” das ponderações decisórias da decisão recorrida. Dito de outro modo, a decisão recorrida não se limita a uma aplicação da regra enunciada, mas a uma efetiva ponde- ração, ao abrigo do disposto no artigo 64.º, n.º 2, da LOPTC, de diversos fatores que captura, pelo menos em parte, o juízo de proporcionalidade. Se o Tribunal Constitucional reapreciasse tal ponderação, nos termos pretendidos pelo recorrente, acabaria enfrentado ao critério do julgador – ao critério adotado por este no caso concreto –, dimensão do julgamento que este Tribunal não tem competência para sindicar. Perder-se-ia, assim, a dimensão normativa do recurso, expresso no critério normativo mediado pelo julgador. Nessa dimensão inelutavelmente inseparável dos comandos normativos aplicáveis reside a razão de não ser possível conhecer do objeto do recurso.
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