TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
354 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Também não se discute que a própria lei preveja esse impedimento. O que se discute é o facto de o legislador ordinário, ao ter concentrado no Tribunal de Contas as funções de investigação, instrução, julgamento em primeira instância e em recurso em matéria relativa a responsabilidade financeira reintegratória e sancionatória, sem possibilidade de recurso ordinário para uma entidade externa à sua estrutura, não tenha dado garantias de imparcialidade (ou, pelo menos de aparência de imparcialidade), permi- tindo situações como as que se descrevem, a título exemplificativo, e que colocam em causa a referida aparência de imparcialidade: Quem é chamado a intervir na fase de investigação e instrução possa, decorridos pelo menos 3 anos, vir a ser chamado a julgar e vice-versa; No âmbito de processos de responsabilidade financeira, quem é chamado a julgar em primeira instância possa, num outro processo, é certo, mas que pode ter como demandado a mesma pessoa, ser chamado a julgar em segunda instância e vice-versa; O Plenário geral do Tribunal de Contas intervém em situações de recursos extraordinários com fundamento em oposição de decisões, sendo que o Plenário é composto por todos os juízes (aqueles que investigam e aqueles que julgam em primeira e segunda instância). A aparência pública de parcialidade – como reverso – resulta sobretudo do facto de as funções de fiscalização e decisão, em primeira instância e em recurso, serem exercidas, no seio de uma mesma instituição, por Conselheiros da mesma instituição, sem que haja distinção absoluta de funções, Podendo os mesmos, inclusivamente, por vezes, trabalhar em sessões conjuntas, o que acaba por gerar ou, pelo menos, propiciar, opinião e espírito de grupo. Sendo certo que se a Constituição da República aponta para que o Tribunal de Contas tenha finalidades de ins- peção e de decisão, o certo é que a mesma não determina que essas finalidades sejam exercidas, quer organicamente, quer pelas tarefas distribuídas à sua magistratura, de modo que possa pôr em causa a imparcialidade (e, sobretudo, a sua aparência) da administração da justiça. Em face do exposto, a questão prévia suscitada pelo Ministério Público deve improceder, devendo os autos prosseguir para o conhecimento da aludida questão de inconstitucionalidade. 2.ª Questão prévia: Inconstitucionalidade do art. 79.º do EA, redação originária Entende o Ministério Público que «a questão ora colocada não se identifica com a que fora anteriormente suscitada no processo e decidida pelo Acórdão recorrido: no Acórdão recorrido, como do mesmo expressamente consta, apreciou-se, e à luz da jurisprudência constitucional na matéria, a inconstitucionalidade da norma cons- tante do art. 79.º do EA, «na redacção atribuída pelo DL 179/2005» – e não na sua redacção originária (ou na que lhe foi dada pelo DL 215/87)». A alegação do Ministério Público não procede pelo seguinte: É o próprio acórdão recorrido que refere que «a redacção do art.º 79.º sobre a qual recaiu este acórdão do Tri- bunal Constitucional, anterior à alteração introduzida pelo DL n.º 179/2005, é substancialmente a mesma depois de tal alteração, pois mantém o mesmo princípio de não prestação de funções ou de trabalho remunerados pelos aposentados, a não ser em casos excepcionais devidamente autorizados». Ora, no que diz respeito à prévia suscitação da questão e ao modo como a mesma foi decidida no acórdão recorrido, o que a decisão recorrida veio demonstrar é que a questão de inconstitucionalidade seria decidida do mesmo modo, e com os mesmos fundamentos, independentemente da redação do artigo 79.º do EA que fosse invocada pelo recorrente. Essencialmente porque para o acórdão recorrido a redação é “substancialmente a mesma”. É, aliás, por isso mesmo que o acórdão recorrido refere que «[p]ortanto, não cabe aqui declarar a inconstitucio- nalidade pura e simples do mencionado art. 79.º, como o recorrente pretende, uma vez que o Tribunal competente [o Tribunal Constitucional] já o fez e os termos de tal declaração mantêm toda a actualidade» – sublinhado nosso. Ou seja, e repete-se, para o Tribunal recorrido era perfeitamente indiferente que se tivesse suscitado a incons- titucionalidade do artigo 79.º do EA – na sua redação originária ou na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei
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