TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

353 acórdão n.º 77/18 A primeira questão prévia diz respeito àquilo que o Ministério Público entende ser um dos segmentos da pri- meira questão de inconstitucionalidade (a violação do direito a um processo equitativo). Se bem entendemos, para o Ministério Público, o recorrente teria indicado duas “dimensões” interpretativas que não teriam sido interpretadas e aplicadas pelo acórdão recorrido. Dum lado: « (i) quem, em concreto, assume a posição de investigador possa assumir, noutro processo – por hipótese, com assunto idêntico e até com o mesmo Demandado –, a posição de julgador e vice-versa». Doutro lado: « (ii) quem, em concreto, assume a posição de julgador em primeira instância possa, ainda que noutro processo – por hipótese, com assunto idêntico e até com o mesmo Demandado –, assumir a posição de julgador em segunda instância e vice-versa». Porém, aquilo que o Ministério Público entende ser “dimensão” interpretativa é, na verdade, motivação/argu- mentação, que não se confunde com a questão de inconstitucionalidade suscitada. A questão de inconstitucionalidade suscitada perante o Tribunal recorrido e o modo como a mesma foi depois trazida ao conhecimento do Tribunal Constitucional, quer (i) no requerimento de interposição de recurso, quer (ii) nas alegações de recurso, é a mesma. Se não, vejamos. Nas alegações de recurso junto do Tribunal de Contas, a questão de inconstitucionalidade foi suscitada do seguinte modo: encontram-se feridas de inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 2.º e 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa as normas constantes dos artigos 1.º, n. os 1 e 2, 4.º, n.º 1 e 2, 5.º, n.º 1, alíneas c) , d) , e) , f ) e g) , 6.º, alíneas a) e b) , 8.º, n.º 2, 10.º, n.º 2, 11.º, n.º 3, 12.º, 29.º, 54.º, 59.º, 65.º, 66.º, 79.º, 96.º a 103.º, na medida em que permitam ao Tribunal de Contas investigar, instruir, julgar em primeira instância e em recurso matéria relativa a responsabilidade financeira reintegratória e sancionatória, sem possibili- dade de recurso ordinário para uma entidade jurisdicional externa à sua estrutura (cf. parágrafo 139 das alegações do recurso interposto da sentença proferida pela 3.ª secção do Tribunal de Contas e artigo 35.º das alegações de recurso). Por seu turno, no requerimento de interposição de recurso (junto do Tribunal Constitucional), a questão de inconstitucionalidade foi suscitada do seguinte modo: «[o]u seja, o Tribunal de Contas aplica uma norma, por interpretação dos artigos 1.º, n. os 1 e 2, 4.º, n.º 1 e 2, 5.º, n.º 1, alíneas c) , d) , e) , f ) e g) , 6.º, alíneas a) e b) , 8.º, n.º 2, 10.º, n.º 2, 11.º, n.º 3, 12.º, 29.º, 54.º, 59.º, 65.º, 66.º, 79.º, 96.º a 103.º da LOPTC, segundo o qual «cabe ao Tribunal de Contas investigar, instruir, julgar em primeira instância e em recurso matéria relativa a res- ponsabilidade financeira reintegratória e sancionatória, sem possibilidade de recurso ordinário para uma instância jurisdicional externa à sua estrutura» – o que configura a violação do disposto nos artigos 2.º, n.º 4, ambos da Constituição da República Portuguesa» – cf. parágrafo 13.º Finalmente, no que se refere às alegações de recurso junto do Tribunal Constitucional, «[o] acórdão recorrido aplica, pois, uma norma por interpretação dos artigos 1.º, n. os 1, e 2, 4.º, n. os 1 e 2, 5.º, n.º 1, alíneas c) , d) , e) , f ) e g) , 6.º, alíneas a) e b) , 8.º, n.º 2, 10.º, n.º 2, 11.º, n.º 3, 12.º, 29.º, 54.º, 59.º, 65.º, 66.º, 79.º, 96.º a 103.º da LOPTC, segundo a qual «cabe ao Tribunal de Contas investigar, instruir, julgar em primeira instância e em recurso matéria relativa a responsabilidade financeira reintegratória e sancionatória, sem possibilidade de recurso ordinário para uma instância jurisdicional externa à sua estrutura» – o que configura a violação do disposto nos artigos 2.º e 20.º, n.º 4, ambos da Constituição da República Portuguesa – parágrafo 67 das alegações de recurso junto do Tribunal Constitucional e artigo 8.º das respetivas conclusões. Em suma: (i) a questão de inconstitucionalidade formulada manteve-se inalterada; (ii) as normas citadas foram interpretadas e aplicadas pelo acórdão recorrido com o sentido indicado pelo recorrente. Sendo certo que, neste caso muito particular, a “interpretação e aplicação” de norma criada a partir dos sobre- ditos preceitos legais concretiza-se, na prática, na circunstância de ter sido realizado julgamento em primeira instância e em recurso sem se cumprirem as exigências de imparcialidade – ou, pelo menos, de aparência de imparcialidade, questão que foi analisada em detalhe nas alegações de recurso junto do Tribunal Constitucional. Por último, importa apenas referir que, ao contrário do que sustenta o Ministério Público no ponto 3.3 das suas contra-alegações, não se discute que o juiz a quem competiu a preparação e julgamento em 1.ª instância esteja impedido de intervir no acórdão do plenário da 3.ª secção.

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