TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

33 acórdão n.º 157/18 Embora não identifiquem expressamente a norma ou princípio constitucional em vista do qual haveria de reconhecer-se na norma sindicada a desinserção ou a antinomia pressuposta pelo vício de desvio de poder legislativo, os requerentes consideram que o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 71/2007 constitui o resultado de um exercício indevido ou disfuncional da competência legislativa atribuída pela Constituição ao Governo em matérias não reservadas à Assembleia da República [cfr. artigo 198.º, n.º 1, alínea a) ], tra- duzido no caráter intuitus personae do diploma que o aditou – o Decreto-Lei n.º 39/2016. De acordo com a perspetiva seguida no pedido, o Decreto-Lei n.º 39/2016 constitui um «ato legislativo que, sob a capa apa- rente de normas jurídicas, contém, afinal, um regime individual e concreto, aplicável unicamente a pessoas perfeitamente individualizáveis» – aqueles que, à data da respetiva publicação, eram apontados como futuros titulares dos órgãos de administração da Caixa Geral de Depósitos –, tendo servido, assim, para a «aprovação de um regime ad hoc , com vista a acomodar solicitações particulares de futuros titulares de cargos públicos, como condição para a aceitação da sua nomeação». Logo em si mesma, a possibilidade de formulação de um juízo de inconstitucionalidade com funda- mento no vício de desvio do poder legislativo não é isenta de controvérsia. Com efeito, a figura do desvio de poder não deixa de corresponder à importação de uma categoria própria do domínio dos atos adminis- trativos – o conceito de desvio do poder dos atos administrativos –, duvidando-se da possibilidade da sua transposição, ao menos pura e simples, para o domínio da legislação, enquanto fundamento de infirmação da respetiva validade (cfr. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição , Coimbra, Almedina, 7.ª edição, p. 1318, e Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional , Volume III, Tomo VI, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, p. 45). Seja como for, é em todo o caso seguro que, no contexto da apre- ciação da validade constitucional das leis, a possibilidade de afirmação de um vício de desvio de poder suporá a presença, se não de uma norma constitucional programática, pelo menos de uma norma que, no domínio sob que versa, fixe ao legislador ordinário um critério ou uma diretiva que se possam dizer infringidos ou desconsiderados pela norma pretendida invalidar. A norma nos presentes autos impugnada – vimo-lo já – inscreve-se no âmbito das alterações ao EGP, tendo visado subtrair ao respetivo âmbito de aplicação os gestores públicos que sejam designados para órgão de administração de instituições de crédito integradas no setor empresarial do Estado e qualificadas como “entidades supervisionadas significativas”. Tal norma – vimo-lo também – consta de um decreto-lei emitido ao abrigo do artigo 198.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição, preceito que atribui ao Governo o poder de fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República, conferindo-lhe uma competência legis- lativa genérica para a prossecução das inúmeras finalidades que se lhe encontram cometidas. Inexistindo na Constituição qualquer norma, mais ou menos exequível, que fixe um critério ou fim específico com o qual a teleologia inerente à previsão de um regime diferenciado para aquela categoria de gestores públicos se possa dizer diretamente em desacordo – isto é, sem que para esse juízo concorra a inter- venção mediadora dos princípios que condicionam a validade constitucional de todas as leis –, é de afastar, desde logo por essa razão, a verificação de qualquer vício de desvio de poder, tanto mais quanto certo é que o caráter alegadamente «individual e concreto» da norma impugnada, ainda que viesse porventura a confirmar- -se, sempre seria insuficiente para, por si só, convertê-la numa norma constitucionalmente ilegítima. E isto porque, com exceção de determinada categoria de leis – como sejam as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (cfr. artigo 18.º, n.º 3) –, a Constituição não veda a edição de leis concretas ou individuais, desde que, não obstante formuladas para certo ou certos destinatários, continuem a obedecer a critérios gerais de normação e não colidam com o princípio da igualdade (cfr. Jorge Miranda, ob. cit. , Tomo V, pp. 16-161). Tendo a violação deste último princípio sido invocada simultaneamente no pedido, com recurso a argu- mentação própria, é à respetiva apreciação que importa proceder em seguida. 9. Embora os requerentes tenham convocado os princípios da igualdade e da proibição do excesso, con- sagrados, respetivamente, nos artigos 13.º e 18.º, n.º 2, da Constituição, como parâmetros aparentemente autónomos do juízo que deverá recair sobre o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 71/2007, extrai-se com

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