TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
32 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O propósito de subtrair os destinatários do atual n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 71/2007 à incidência do conjunto de normas que integram o EGP não implicou a reformulação do conceito legal de gestor público, mas apenas a introdução da cláusula de exceção constante daquele preceito, cláusula essa cujo conteúdo, conforme sublinhado no citado aresto, se poderia, em definitivo, traduzir na seguinte perífrase: o conjunto das normas que integram o EGP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, aplica-se a todos os gestores públicos – isto é, a quem quer que seja designado para órgão de gestão ou administração de empresas públicas –, com exceção daqueles gestores públicos que sejam designados para órgão de administração de ins- tituições de crédito integradas no setor empresarial do Estado e qualificadas como “entidades supervisionadas significativas”, na aceção do ponto 16) do artigo 2.º do Regulamento (UE) n.º 468/2014, do Banco Central Europeu, de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação, no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão, entre o Banco Central Europeu e as autoridades nacionais competentes e com as autoridades nacionais designadas (Regulamento-Quadro do MUS) (BCE/2014/17). É, pois, com este sentido e alcance que cumpre confrontar o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 71/2007 com as normas paramétricas invocadas no pedido. 7. Procurando sistematizar o conjunto de invalidades apontadas no pedido, pode dizer-se que a norma constante do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 71/2007, na versão resultante das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 39/2016, padecerá, de acordo com os requerentes, dos seguintes vícios: i) ilegalidade material, por violação direta do disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro; ii) inconstitucionalidade orgânica reflexa ou indireta, por violação dos artigos 112.º, n.º 3, e 165.º, n.º 1, alí- nea u) , da Constituição; e iii) inconstitucionalidade material, quer por desvio do poder legislativo, quer por violação dos princípios da igualdade e da proibição do excesso, consagrados, respetivamente, nos artigos 13.º e 18.º, n.º 2, da Lei Fundamental. Sendo posta simultaneamente em causa a constitucionalidade e a legalidade da norma que integra o objeto do pedido, importa começar por esclarecer a ordem de apreciação dos vícios que lhe são imputados. Apesar de a declaração de inconstitucionalidade e a de ilegalidade com força obrigatória geral pro- duzirem, de acordo com o disposto no artigo 282.º da Constituição, os mesmos efeitos, retira-se da juris- prudência deste Tribunal que a apreciação da conformidade constitucional da norma cuja apreciação se requer deverá preceder a verificação da respetiva legalidade. Conforme se escreveu no Acórdão n.º 268/88, «concorrendo os dois vícios, a inconstitucionalidade, como vício mais grave (vício que põe afinal em xeque a própria Constituição, cuja superioridade hierárquica – Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4.ª edição, p. 601 – “relativamente às outras normas implica uma relação axiológica entre a constituição e essas normas, precisamente porque a sua primariedade postula uma maior força normativa”), por via de regra prejudicará o conhecimento da ilegalidade, vício menos grave» (no mesmo sentido, cfr. Acórdão n.º 254/90). Uma vez que a inconstitucionalidade orgânica apontada ao n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 71/2007 é meramente reflexa ou indireta – no sentido em que pressupõe e se funda na comparação prévia da norma ali consagrada com o artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro –, é pela apreciação da respetiva validade material que cumpre principiar a apreciação dos vícios invocados no pedido. 8. Tomando a norma impugnada a partir do respetivo conteúdo, os requerentes começam por apontar- -lhe o vício de desvio do poder legislativo, que apresentam como o primeiro dos fundamentos para a decla- ração da respetiva inconstitucionalidade. Enquanto modalidade da violação do princípio da vinculação da lei ordinária aos valores, critérios e fins consagrados na Constituição, o vício de desvio do poder legislativo caracteriza-se pela existência de uma discrepância ou contradição entre a finalidade subjacente à norma editada e aquela que o princípio ou norma constitucional de referência prescreve para a sua emissão (cfr. Blanco de Morais, Justiça Constitucional, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, 2.ª edição, p. 148).
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