TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

297 acórdão n.º 44/18 trabalhadores estrangeiros em situação ilegal encontram-se em situação de especial vulnerabilidade, estando sujeitos a graves formas de exploração e de violação dos seus direitos, por terem receio de denunciar a sua situação de ilegalidade. O emprego destes trabalhadores acarreta o risco de fuga à legislação laboral em todos os seus domínios (horários, períodos de descanso, férias, salário justo, segurança e higiene no trabalho, entre outros), existindo ainda o risco de violação dos mais elementares direitos pessoais dos estrangeiros, como o direito à integridade pessoal ou mesmo à liberdade (Maria José Rangel de Mesquita, Os Direitos Fundamen- tais dos Estrangeiros na Ordem Jurídica Portuguesa: uma perspetiva constitucional, Almedina, 2012, p. 249). Assim, a norma questionada protege direitos, liberdades e garantias pessoais – v. g. os previstos no artigo 25.º da Constituição –, bem como direitos fundamentais dos trabalhadores. Nos termos do artigo 59.º, n.º 1 os direitos fundamentais dos trabalhadores beneficiam todos, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas. Ora, não fazendo o preceito constitucional referência expressa a imigrantes em “situação legal” ou “situação regular”, contrariamente ao que sucede noutras normas [ v. g. , artigo 27.º, n.º 3, alínea c), da CRP], deve entender-se que o dever de proteção esta- belecido no artigo 59.º vale também para os imigrantes em situação ilegal ou irregular. Ou seja, pelo menos o “núcleo duro” dos direitos sociais devem entender-se como beneficiando também, prima facie , os estran- geiros em situação irregular (José Leitão e Luís Nunes de Almeida, “Les droits et Libertés des Étrangers en Situation Irrégulière – Portugal”, in Annuaire International de Justice Constitutionnelle, Economica, 1998, p. 305). O Tribunal Constitucional tem, precisamente, afirmado que “o princípio da equiparação vale para todos os estrangeiros e não apenas para aqueles que se encontrem em situação regular dentro do território, pelo menos no que respeita apena a «um conjunto nuclear de direitos (universais) de fonte constitucional ou internacional” (Acórdão n.º 296/15). Por seu turno, o artigo 59.º, n.º 2, da Constituição dispõe que incumbe ao Estado assegurar as condi- ções de trabalho, retribuição e repouso, duração máxima da jornada de trabalho e descanso semanal a que os trabalhadores têm direito, alguns dos quais foram já qualificados pelo Tribunal Constitucional como sendo análogos aos direitos, liberdades e garantias (Acórdãos n. os 368/97 e 635/99). Face à especial vulnerabilidade que caracteriza a situação dos imigrantes em situação ilegal perante eventuais abusos, é lícito considerar que o dever de proteção assim desenhado pela Constituição se estende ao específico caso desses trabalhadores. Por um lado, está em causa a proteção reflexa ou indireta dos bens pessoais de que essas pessoas são titulares, e que se podem reconduzir, em última análise, a um direito de trabalhar em condições compatíveis com a dignidade humana. Mas está também em causa o interesse do Estado em fazer cumprir as suas leis laborais, evitando manobras que permitam aos empregadores e outros beneficiários do trabalho contornar as normas aplicáveis. 11. Caracterizados os bens jurídicos que a sanção em causa visa acautelar, importa agora verificar se a solução legislativa destinada à proteção dos mesmos se revela excessiva. O que se visa apurar é precisamente saber se a responsabilidade solidária do empreiteiro geral é inidónea ou desnecessária ou ainda despropor- cional para acautelar os interesses constitucionalmente protegidos em causa. Tal como se referiu no Acórdão n.º 201/14, qualquer juízo sobre a razoabilidade da ponderação, efetuada pelo legislador ordinário, passa por pesar a intensidade do sacrifício imposto pela norma sub judicio ao princípio da proibição de transmissão da responsabilidade e a vantagem que através dela se obtém para efeitos da proteção dos referidos interesses constitucionais. No que respeita ao primeiro aspeto, verifica-se que, também a norma impugnada não sacrifica total- mente o princípio da proibição de transmissão da responsabilidade. Com efeito, os sujeitos ficam respon- sáveis pelo pagamento da coima, não lhes sendo transmitida a autoria do ilícito contraordenacional em si mesma considerada. Neste ponto, não se pode deixar de relembrar, uma vez mais, que a autonomia do ilícito de mera ordenação social em relação ao direito penal reflete-se também na natureza da coima, que é uma san- ção exclusivamente patrimonial e que se diferencia, na sua essência e nas suas finalidades, da pena criminal, e que se não liga à personalidade do agente. Assim, uma transmissibilidade do pagamento da coima poderá

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