TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
296 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL efetiva da coima, e, através disso, indiretamente, uma mais elevada probabilidade de que a infração não chegará sequer a ser cometida, assim se protegendo melhor bens jusfundamentais. Assim, porque não é possível, segundo um critério de evidência, asseverar que é desnecessário para efeitos de cumprimento dos referidos deveres de proteção o mecanismo de corresponsabilização pelo pagamento estabelecido no n.º 3 do artigo 551.º do Código do Trabalho (2009), o Tribunal Constitucional não pode senão deferir perante o juízo formulado pelo legislador sobre a adequação e necessidade do regime legal». 9. Da jurisprudência acabada de analisar é possível traçar alguns princípios decisórios para a apreciação da constitucionalidade da norma impugnada nos presentes autos. Em primeiro lugar, importa reconhecer que a mesma prevê, de facto, a transmissão para o empreiteiro geral da responsabilidade pelo pagamento de uma coima devida pela prática de facto praticado pelo empregador por ele, direta ou indiretamente, subcontratado. Tal transferência é, também aqui, independente da verificação de pressupostos referentes à responsabilidade pessoal do empreiteiro geral no ilícito de emprego de trabalhadores estrangeiros em situação irregular. A norma foi desaplicada por inconstitucionalidade com fundamento na violação do princípio da culpa, tendo o tribunal a quo entendido que o responsável solidário (no caso o empreiteiro geral) responde independentemente de culpa própria, dependendo a sua responsabilização da culpa de outrem. Ora, também no presente contexto, importa ter presente a específica configuração dos princípios da culpa e da proibição de transferência de responsabilidade sancionatória no domínio contraordenacional, bem como um maior poder de conformação do legislador. A análise da solução legal far-se-á, então, tendo em consideração os interesses públicos que a mesma visa acautelar, de forma a determinar se o legislador ultrapassou a sua margem de conformação com a presente solução de transmissão da responsabilidade con- traordenacional. 10. De um modo geral, as sanções administrativas, contrariamente às penas criminais, têm uma finali- dade de utilidade e estratégia social, não podendo invocar-se, por isso, os fins da prevenção geral e especial que presidem às penas criminais. A norma questionada, ao prever a responsabilização solidária do empreiteiro geral pelo pagamento das coimas devidas pelo subcontratado pela prática de contraordenação de emprego de cidadão estrangeiro não autorizado a exercer uma atividade profissional, fá-lo para proteger bens jusfun- damentais relevantes. Com efeito, a norma impugnada releva valores constitucionais da comunidade cuja realização exige necessariamente o sacrifício de direitos: por um lado, obstaculizar a imigração legal, e por outro, evitar a exploração dos trabalhadores imigrantes. Como se refere no preâmbulo da Diretiva n.º 2009/52/CE, a procura de mão de obra ilegal e a oferta de emprego a trabalhadores estrangeiros em situação administrativa irregular constitui um fator relevante de atração da imigração ilegal (considerando n.º 36 e artigo 1.º). Impõe-se, assim, que os Estados tenham a prorrogativa de fazer respeitar as regras nacionais respeitantes à entrada e saída de estrangeiros do território. Por isso, impedir a imigração ilegal constitui um interesse público relevante, assente na ideia mais vasta de defesa da legalidade. A necessidade de medidas aplicadas aos que não respeitam as normas de imigração justifica-se, pois, “com o objetivo de «prevenção geral» da violação das regras de imigração, mas também com o objetivo de evitar o «efeito chamada» para novos perpetradores” (Ana Rita Gil, in Imigração e Direitos Humanos, Petrony, 2017, p. 596). Por outro lado, a norma visa ainda a finalidade de contrariar a exploração dos próprios trabalhadores imigrantes em situação administrativa ilegal, um meio de acautelar a efetivação dos direitos constitucionais dos trabalhadores consagrados no artigo 59.º da CRP. A lei portuguesa acompanha aqui muitos dos desen- volvimentos das convenções internacionais relativas ao estatuto dos estrangeiros, a maior parte das quais visa, precisamente, proteger os trabalhadores imigrantes de situações abusivas e de exploração, em particular, a Convenção n.º 143 da Organização Internacional do Trabalho, relativa às Migrações em Condições Abu- sivas e à Promoção da Igualdade de Oportunidades e de Tratamento dos Trabalhadores Migrantes. De facto, os
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