TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
294 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL penal, tenha de implicar, por analogia ou identidade de razão, a intransmissibilidade de uma acusação ou condena- ção por desrespeito de normas de ordenação administrativa que não possuem a mesma ressonância ética (cfr., neste sentido, os citados Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 160/04 e 161/04). 4. Poderia dizer-se, ainda, que a responsabilidade solidária aqui prevista não depende de qualquer comporta- mento culposo por parte do administrador ou gerente e decorre apenas da imputação do facto à pessoa coletiva – o que pode implicar uma violação do princípio da culpa, como também se invoca na decisão recorrida – e, por outro lado, pode pôr em causa o princípio da proporcionalidade das sanções, na medida em que a coima é aplicada em função da situação económica e de outras circunstâncias apenas atinentes ao autor da infração, que não se transmi- tem necessariamente ao responsável solidário. Como já se fez notar, no ilícito de mera ordenação social, as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais, para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social, não podendo invocar-se, por isso, para essa categoria de infrações, um conceito de culpa equiva- lente ao exigível para a imposição de uma sanção criminal (cfr. o citado acórdão n.º 574/95). Por outro lado, o que está em causa, na previsão do n.º 3 do artigo 551.º do Código do Trabalho, é a solidarie- dade quanto ao pagamento da coima e não a solidariedade quanto à infração, o que revela que se pretende apenas instituir uma garantia de satisfação da sanção pecuniária contra os riscos inerentes ao próprio funcionamento das pessoas coletivas (João Soares Ribeiro, Análise do Novo Regime Geral das Contraordenações Laborais, Questões Labo- rais, Ano VII, 2000, p. 20). Poderá dizer-se que a razão de ser do regime legal decorre da necessidade de acautelar o pagamento das coimas aplicáveis às pessoas coletivas, prevenindo a possibilidade de estas virem a ser colocadas numa situação de insufi- ciência patrimonial que inviabilize por motu próprio a satisfação do crédito. O recurso a um princípio civilístico de solidariedade passiva, para esse efeito – que nunca poderia justificar a transferência de uma responsabilidade penal –, não deixa de ser uma medida compreensível no plano de política legislativa e numa perspetiva utilitarista de eficácia da prevenção contraordenacional. Funciona aqui uma garantia patrimonial que é exigível ao administrador ou gerente em função da sua qualidade de representante legal da pessoa coletiva e em atenção à sua ligação física e funcional à atividade empresarial que é suscetível de envolver a prática de infrações contraordenacionais (neste sentido, João Soares Ribeiro, Contraordenações Laborais. Regime Jurídico Anotado, 3.ª edição Coimbra, pp. 335-336). De facto, a autonomia do ilícito de mera ordenação social em relação ao direito penal reflete-se também na natureza da coima, que é uma sanção exclusivamente patrimonial e que se diferencia, na sua essência e nas suas finalidades, da pena criminal, e que se não liga à personalidade do agente, o que também explica que não sejam, no caso, invocáveis, como parâmetros de constitucionalidade, os princípios da culpa e da proporcionalidade da sanção. Por idêntica ordem de considerações, não tem cabimento a invocação da violação do princípio da igualdade. Não se trata aqui de definir a moldura da coima aplicável a um administrador ou gerente com base em ele- mentos de aferição que apenas respeitem à pessoa coletiva e que são necessariamente diferenciados. O que está em causa é uma responsabilidade solidária que confere ao sujeito individual a condição de garante do pagamento da coima, a qual não deixa de ser fixada, no âmbito do processo contraordenacional, em função da moldura ajustável à personalidade coletiva do devedor primário. Não ocorre, por isso, uma parificação, quanto ao objeto, de situações de responsabilidade que, do ponto de vista da natureza do sujeito responsável, sejam desiguais, e pudesse suscitar uma desconformidade com o princípio da igualdade”. No Acórdão transcrito, o Tribunal não julgou inconstitucional a norma contida no n.º 3 do artigo 551.º do CT, no que foi seguido por vários arestos posteriores, como os Acórdãos n. os 505/14, 504/14, 395/14, 364/14, 321/14, 305/14, 257/14, 207/14 e 201/14. O referido aresto assentou o juízo de não inconstitucionalidade, no que ora interessa, em duas ordens de ideias: em primeiro lugar, na ideia de que o princípio da culpa em matéria de contraordenações não reveste o mesmo sentido que em matéria criminal e, em segundo lugar, que a responsabilidade solidária prevista no
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