TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

291 acórdão n.º 44/18 7. A aplicação da norma impugnada foi recusada pelo tribunal recorrido com fundamento na sua inconstitucionalidade, na parte em que responsabiliza solidariamente o empreiteiro geral pelo pagamento das coimas previstas no mesmo artigo. Como se referiu, entendeu o juiz a quo que tal solução normativa violava os princípios da culpa e da intransmissibilidade da responsabilidade penal e contraordenacional con- sagrados nos artigos 1.º, 27.º, n.º 1, e 30.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Estando em causa garantias constitucionais em matéria de contraordenações, importa começar por ana- lisar os traços gerais da jurisprudência constitucional sobre o assunto. Tem sido entendimento do Tribunal Constitucional que as garantias constitucionais previstas no artigo 32.º da CRP se aplicam no domínio das contraordenações com algumas adaptações. Neste sentido, tem-se considerado que o legislador dispõe de uma margem de apreciação mais ampla no âmbito das contraorde- nações. No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 231/79, de 24 de julho, que introduziu o ilícito de mera ordenação social na ordem jurídica portuguesa, começou por se afirmar que «hoje é pacífica a ideia de que entre os dois ramos de direito medeia uma autêntica diferença: não se trata apenas de uma diferença de quantidade ou puramente formal, mas de uma diferença de natureza. A contraordenação “é um aliud que se diferencia qualitativamente do crime na medida em que o respetivo ilícito e as reações que lhe cabem não são direta- mente fundamentáveis num plano ético-jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do direito criminal” [...]. Está em causa um ordenamento sancionatório distinto do direito criminal. Não é, por isso, admissível qualquer forma de prisão preventiva ou sancionatória, nem sequer a pena de multa ou qualquer outra que pressuponha a expiação da censura ético pessoal que aqui não intervém. A sanção normal do direito de ordenação social é a coima, sanção de natureza administrativa, aplicada por autoridade administrativa, com o sentido dissuasor de uma advertência social, pode, consequentemente, admitir-se a sua aplicação às pessoas coletivas e adotar-se um processo extremamente simplificado e aberto aos corolários do princípio da oportunidade». Atenta a diferente natureza dos ilícitos, o Tribunal Constitucional tem vindo a aceitar uma variação do grau de vinculação do regime das contraordenações aos princípios do direito criminal em matérias como as do âmbito da responsabilização das pessoas coletivas, da culpa, do erro, da autoria e do concurso. Assim, afirma-se de forma ilustrativa, no Acórdão n.º 336/08: “…existem, desde sempre, razões de ordem substan- cial que impõem a distinção entre crimes e contraordenações, entre as quais avulta a natureza do ilícito e da sanção (…). A diferente natureza do ilícito condiciona, desde logo, a eventual incidência dos princípios da culpa, da proporcionalidade e da sociabilidade.” Essa mesma orientação jurisprudencial foi reiterada no Acórdão n.º 110/12, em que se escreveu que “as diferenças existentes entre a ilicitude de natureza criminal e o ilícito de mera ordenação social obstam a que se proceda a uma simples transposição, sem mais, dos prin- cípios constitucionais aplicáveis em matéria de definição de penas criminais para o espaço sancionatório do ilícito de mera ordenação social”. E é precisamente em razão dessa diferença, que assume um alcance «jurídico-pragmático» (Acórdão n.º 344/93) e se projeta em diversos aspetos de regime adjetivo e substantivo, que o Tribunal Constitucional tem considerado, de forma algo pacífica, que o legislador dispõe, no âmbito do domínio contraordenacional, de uma margem de apreciação mais ampla. Relativamente ao alcance do princípio da culpa no domínio contraordenacional, o Acórdão n.º 344/07 formulou a síntese que importa transcrever: «(...) não pondo em dúvida que os princípios da proporcionalidade e da igualdade e mesmo o princípio da culpa também vinculem o legislador na configuração dos ilícitos contravencionais (como nos de contraordenação) e respetivas sanções (cfr. acórdão n.º 547/2001, publicado no Diário da República , II Série, de 15 de julho) é dife- rente o limite que deles decorre para a discricionariedade legislativa na definição do que o legislador pode assumir e o que deve ser deixado ao juiz na determinação concreta da sanção. Designadamente, não ocorre aqui colisão

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