TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
286 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Constitucional a propósito de norma idêntica do Dec.-Lei n.º 232/79, de 24 de julho (também o n.º 2 do art. 1.º), hoje em dia, na nossa ótica, não se pode considerar que a possibilidade da existência de contraordenações independentemente do caráter censurável do facto não seja violadora do princípio da culpa e, consequentemente não seja inconstitucional – cfr. o Parecer n.º 4/81 da Comissão Constitucional, de 19 de março de 1981, publicado no 14.ª Volume de Pareceres, disponível no sítio eletrónico do Tribunal Constitucional]. A este propósito e em anotação ao art. 1.º do RGC-O, Simas Santos e Lopes de Sousa referem que «apesar da não intervenção nas contraordenações de uma censura de tipo ético-pessoal vale também aqui o princípio da culpabilidade ( nulla poena sine culpa ), segundo o qual toda a sanção contraordenacional tem como suporte uma culpa concreta. Referência à culpa, encontram-se em várias disposições deste diploma: 9.º, n.º 1, 16.º, n.º 2, 18.º, n.º 1, 21.º, n.º 1, 26.º, alínea a) , e 51.º» ( Contraordenações – Anotações ao Regime Geral , Vislis, 3.ª Ed., janeiro de 2006, p. 50). Ora, o aludido art. 198.º, n.º 4, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na sua versão original, e bem assim o art. 198.º-A, n.º 5 [no caso a alínea a) ], do mesmo diploma, na redação resultante da entrada em vigor da Lei n.º 29/2012, de 9 de agosto, limitam-se a afirmar que o empreiteiro geral de uma obra, como era o caso da arguida/ recorrente, é solidariamente responsável pelo pagamento nomeadamente das coimas que forem aplicadas a quem nessa obra utilize a atividade de cidadão estrageiro em situação ilegal. É óbvio que o responsável principal apenas será responsável pela prática da contraordenação se agir com culpa. Acontece que embora dependendo a sua responsabilização da culpa de outrem (o responsável principal), o res- ponsável solidário (no caso o empreiteiro geral) responderá independentemente de culpa própria. Limitemo-nos a pensar na seguinte situação, que bem poderia ser a dos autos: A é empreiteiro geral de determinada obra; B, contra recomendação expressa, contra a vontade e sem conhecimento de A, utiliza nessa obra a atividade de cidadãos estrangeiros em situação ilegal. Fará sentido que apesar de ter tomado todas as providências necessárias para que não se verificasse o facto ilícito e este ter sido praticado contra a sua vontade, A venha a responder (solidariamente) pelo pagamento da coima? O princípio da culpa diz-nos que não, mas no entanto as normas em apreciação dão resposta diversa. Serve isto por dizer que tais normas violam o princípio constitucional da culpa, devendo ser desaplicadas no caso concreto, por padecerem de inconstitucionalidade (...) Compreendemos os argumentos da diferença de regimes entre o direito penal e o direito contraordenacional e da necessidade de civilisticamente assegurar o pagamento da coima por parte do gerente/administrador da socie- dade condenada no pagamento dessa coima, pois existe entre um e a outra uma relação de proximidade existencial/ material. Contudo, na nossa ótica tais argumentos não têm aplicação quando o responsável solidário não tem qualquer relação de proximidade/material com o responsável principal, como é o caso da situação dos autos. Com efeito, do modo como se encontram redigidas as normas que vimos apreciando, o empreiteiro geral responde (solidaria- mente) pelo pagamento da coima aplicada ao responsável principal independentemente da verificação da imputa- ção subjetiva a título de culpa do próprio (empreiteiro geral). No caso dos autos, tal significaria que independentemente da ausência de culpa da sua parte, a sociedade arguida responderia patrimonialmente pelo pagamento de uma coima resultante da prática de contraordenação praticada por outra sociedade, sendo certo que ao que tudo indica tal contraordenação terá até sido praticada contra a vontade da sociedade arguida. Entendemos por isso que estamos perante uma inaceitável transmissão de responsabilidade contraordena- cional, equiparável à transmissão de responsabilidade penal, violadora do disposto no n.º 3 do art. 30.º da CRP, devendo também por esta razão ser declaradas inconstitucionais e desaplicadas as normas referidas». 2. Desta decisão veio o Ministério Público interpor recurso obrigatório, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), “na parte em que recusou, por as considerar
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