TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
284 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL com o objetivo de evitar o «efeito chamada» para novos perpetradores”; por outro lado, a norma visa ainda a finalidade de contrariar a exploração dos próprios trabalhadores imigrantes em situação administrativa ilegal, um meio de acautelar a efetivação dos direitos constitucionais dos trabalhadores consagrados no artigo 59.º da Constituição; de facto, os trabalhadores estrangeiros em situação ilegal encontram-se em situação de especial vulnerabilidade, estando sujeitos a graves formas de exploração e de violação dos seus direitos, por terem receio de denunciar a sua situação de ilegalidade; o emprego destes trabalhadores acarreta o risco de fuga à legislação laboral em todos os seus domínios, existindo ainda o risco de violação dos mais elementares direitos pessoais dos estrangeiros, como o direito à integridade pessoal ou mesmo à liberdade. IV – A norma questionada protege direitos, liberdades e garantias pessoais, bem como direitos fundamen- tais dos trabalhadores, que beneficiam todos, devendo entender-se que o dever de proteção estabe- lecido no artigo 59.º vale também para os imigrantes em situação ilegal ou irregular; ou seja, pelo menos o ‘núcleo duro’ dos direitos sociais devem entender-se como beneficiando também, prima facie , os estrangeiros em situação irregular; face à especial vulnerabilidade que caracteriza a situação dos imigrantes em situação ilegal perante eventuais abusos, é lícito considerar que o dever de proteção do Estado, desenhado no artigo 59.º, n.º 2, da Constituição, se estende ao específico caso desses trabalha- dores; está em causa a proteção reflexa ou indireta dos bens pessoais de que essas pessoas são titulares, e que se podem reconduzir, em última análise, a um direito de trabalhar em condições compatíveis com a dignidade humana, mas está também em causa o interesse do Estado em fazer cumprir as suas leis laborais, evitando manobras que permitam aos empregadores e outros beneficiários do trabalho contornar as normas aplicáveis. V – Caracterizados os bens jurídicos que a sanção em causa visa acautelar, importa agora verificar se a solução legislativa destinada à proteção dos mesmos se revela excessiva, o que passa por pesar a inten- sidade do sacrifício imposto pela norma sub judicio ao princípio da proibição de transmissão da res- ponsabilidade e a vantagem que através dela se obtém para efeitos da proteção dos referidos interesses constitucionais. VI – A norma impugnada não sacrifica totalmente o princípio da proibição de transmissão da responsa- bilidade, pois os sujeitos ficam responsáveis pelo pagamento da coima, não lhes sendo transmitida a autoria do ilícito contraordenacional em si mesma considerada; a autonomia do ilícito de mera ordenação social em relação ao direito penal reflete-se também na natureza da coima, que é uma sanção exclusivamente patrimonial e que se diferencia, na sua essência e nas suas finalidades, da pena criminal, e que se não liga à personalidade do agente; assim, uma transmissibilidade do pagamento da coima poderá assumir, no domínio contraordenacional, outros contornos, assentes numa intenção última de garantia patrimonial ou civil do pagamento de uma sanção puramente financeira; por sua vez, a referida norma visou constituir uma forma de dissuasão efetiva da procura de trabalhadores estrangeiros em situação ilegal, tendo o legislador entendido que só com a previsão de sanções verda- deiramente dissuasoras para todos os intervenientes e beneficiários do trabalho, se poderia combater eficazmente o recurso ao trabalho de estrangeiros em situação irregular. VII – Não é possível asseverar que o legislador ultrapassou a sua margem de conformação através da impo- sição de um sacrifício desnecessário, inútil ou manifestamente desproporcionado para efeitos da pro- teção dos bens jusfundamentais convocáveis.
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