TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

277 acórdão n.º 34/18 e o sujeito passivo da TMPC é determinado por remissão para as regras do IMI. Tal semelhança estrutural não é inócua. Ela revela que o tributo não assenta na correlação económica das prestações – e, nessa medida, prescinde do nexo característico dos tributos bilaterais, já que não pode guiar-se por uma ideia de proporcionalidade entre elas –, mas sim (e inequivocamente) na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada pela titularidade do direito sobre os prédios. Não é possível reconstituir qualquer relação suficientemente definida, certa e objetiva entre o conteúdo e valor das prestações do serviço municipal de proteção civil, por um lado, e o valor a suportar pelos titulares dos prédios, por outro. O Município de Lisboa sustenta que os proprietários dos prédios são “[…] os […] beneficiários prin- cipais” da TMPC, na medida em que “[…] a atividade da proteção civil do Município de Lisboa está em larga medida ligada ao património edificado, traduza-se ela em operações de socorro a incêndios, em intervenções por ocasião de inundações, em ações de proteção ditadas pelo estado degradado ou em ruína de imóveis […]”, sendo por isso “’normal’ e mesmo ‘expectável’ que a Câmara Municipal de Lisboa, em face das atribuições que lhe são cometidas por lei, desenvolva um conjunto de ações concretas de proteção civil de que são principais beneficiários os proprietários de prédios urbanos situados no concelho”, concluindo que “[…] é inquestionável que a TMPC dá corpo àquela relação comutativa que o Tribunal Constitucional entende conformadora das verdadeiras taxas”. Por outras palavras, entende o Município de Lisboa que os proprietários integram um dos “[…] três universos de pessoas que se distinguem com clareza do conjunto da coletividade pela intensidade dos riscos que geram e pela intensidade do benefício que a atividade da proteção civil lhes traz”, sendo “[…] esta razão que justifica que parte dos custos inerentes aos serviços de proteção civil lhes seja imputada através da TMPC”. Como tal, e sempre no entender do Município, o que se pretende com a taxa é “[…] fazer com que um conjunto bem determinado de pessoas concorra para o custeamento de uma atividade de que são os principais causadores ou beneficiários”. Sucede que estas relações assentam, em grande medida, em petições de princípio que não estão especificamente demonstradas e não encontram reflexos na fundamentação económica da TMPC (onde, como se viu, todos os custos são agregados indistintamente). Por outro lado, no que respeita especialmente à incidência prevista no n.º 1 do artigo 59.º do RGTPRML, tal relação – a existir – sempre se perderia, porque o tributo assenta na titularidade do património, o que, ademais, fornece um elemento de sinal contrário: tendencialmente, os prédios de maior valor são de construção mais recente, com recurso a técnicas mais avançadas e, por isso, mais seguros. A estrutura da TMPC não apresenta uma base objetiva para se poder afirmar que é a propriedade, por si, que determina ou potencia os gastos municipais. Por outras palavras, ao partir de um pressuposto claramente revelador da capacidade contributiva genérica que é independente da dimensão, da natureza e do peso e valor relativos das prestações a assegurar no âmbito da proteção civil, o Município de Lisboa criou um tributo – qualificando-o como “taxa” – que se determina obje- tivamente sem a relevância daquelas prestações, a não ser na medida em que foram agregados os custos globais daqueles serviços (o que em nada favorece a ideia de bilateralidade, como vimos). Este desligamento das conexões entre prestações características dos tributos bilaterais decorre, inelutavelmente, de se escolher como (único) facto tributário a titularidade do direito real. E, sendo correto dizer-se que “é ponderada a área dos prédios” (como ale- gou o autor da norma), o certo é que essa ponderação é feita nos mesmos termos – e através – das regras do IMI, ou seja, com única utilidade de cálculo do valor do prédio para efeitos tributários, pelo que tal consideração não afasta as conclusões já afirmadas. Não há, pois, como negar o caráter extremamente difuso (na verdade, impossível de traçar) da relação entre a titularidade dos prédios e as prestações no âmbito da proteção civil a que (alegadamente) dá causa, ou da relação entre tais prestações e o respetivo “benefício” para os titulares do património imobiliário. Como se sublinhou, não é a possibilidade de enumerar várias atividades de proteção civil – sem consideração do seu peso relativo e, em particular, da relação de cada uma com a titularidade dos prédios – que permite dar por estabelecida a necessária correlação entre prestações. Consequentemente, não pode a TMPC afirmar-se como tributo bilateral, ou seja, não se trata de uma taxa, no sentido jurídico-constitucionalmente relevante que atrás foi assinalado.

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