TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

24 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 18. Na verdade, como se referiu, a motivação formalmente apresentada pelo legislador traduz-se no facto de, alegadamente, o quadro aplicável aos gestores públicos onerar de forma excessiva o funcionamento das instituições de crédito públicas. 19. Porém, não só o legislador não demonstra minimamente em que medida é que a sujeição ao Estatuto do Gestor Público é excessivamente onerosa – por as regras específicas aplicáveis à Caixa Geral de Depósitos se “sobreporem largamente”, ou mesmo “ultrapassarem”, “os limites estabelecidos à organização, ao funcionamento e à atividade das entidades públicas, incluindo as integradas no setor empresarial do Estado, e aos titulares dos respetivos órgãos”, como, além disso, não está minimamente demonstrado que a pura e simples desaplicação global do Estatuto do Gestor Público permita “alcançar o objetivo de maior competitividade das instituições de crédito públicas, sem perda de efetividade do controlo exercido sobre os respetivos administradores”. 20. Na verdade, importa ter presente que o Estatuto do Gestor Público contém uma série de deveres e obri- gações funcionais que se impõem aos titulares abrangidos, que de todo em todo se circunscrevem à propalada obrigação de apresentação da declaração de rendimentos – a qual, de resto, também resulta de outro diploma, a Lei n.º 4/83, de 2 de abril. 21. Ora, mesmo abstraindo de toda a occasio legis do Decreto-Lei n.º 39/2016 e do que é sabido sobre as reais motivações do legislador, mesmo assumindo que a ratio deste diploma era efetivamente tornar menos oneroso e mais competitivo o desempenho de funções de administradores de bancos públicos, o legislador não demons- tra minimamente que, para esse desiderato, seja efetivamente necessário afastar totalmente o Estatuto do Gestor Público, em vez de isentar aqueles administradores do cumprimento de uma ou de algumas normas daquele Estatuto. E tratando-se, esta, de medida diferenciadora sujeita a escrutínio estrito (ao controlo do cumprimento da proporcionalidade da medida da diferença) pelas razões acima aduzidas, tal demonstração objetiva impunha-se, sob pena de se ter de concluir no sentido da inconstitucionalidade; 22. Acresce que o legislador nem mesmo procede à tarefa de enunciar e fundamentar os motivos pelos quais todas e cada uma das obrigações e deveres funcionais do Estatuto do Gestor Público seriam alegadamente redun- dantes (por já se encontrarem cobertas por outras disposições aplicáveis às instituições de crédito) ou a sua manu- tenção intolerável para permitir alcançar os fins visados. 23. Por conseguinte, na medida em que o legislador adotou uma solução mais gravosa (a exclusão da aplica- ção, tout court, do Estatuto do Gestor Público aos administradores de bancos públicos) quando manifestamente poderia e deveria ter fundamentadamente optado por uma medida minimalista e menos radical – a identificação da disposição ou disposições daquele Estatuto cuja aplicação aos administradores se tornava imperioso afastar para permitir uma maior competitividade na sua atividade e sem perda de efetividade no respetivo controlo –, é a norma constante do n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Gestor Público, na redação que lhe foi dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 39/2016, inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, (pelo menos) na vertente da necessidade (cf. artigo 2.º da Constituição)». 3. Notificado, ao abrigo do disposto no artigo 54.º da Lei do Tribunal Constitucional, para se pronun- ciar sobre o pedido, o Primeiro-Ministro opôs-se à sua procedência, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: «A) Improcedência do alegado desvio de poder legislativo § 1. A arguição de inconstitucionalidade da norma extraída do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março (que aprovou o Estatuto do Gestor Público), com a redação que lhe foi dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de julho, por alegado desvio de poder legislativo, nem sequer deve ser objeto de conhecimento pelo Tribunal Constitucional, por preterição do pressuposto processual fixado pelo artigo 51.º, n.º 1, da LTC, visto que o requerimento apresentado não indica qual seria a norma constitucional alegadamente violada, nem tão pouco esboça quais os indícios de uso indevido da livre margem de decisão legislativa. § 2. Por mera cautela, sempre se dirá não ter ocorrido qualquer desvio de poder legislativo, na medida em que a circunstância de uma norma poder, em termos práticos, aplicar-se a um universo restrito de destinatários – ou até

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