TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
231 acórdão n.º 16/18 que uns e outros dispõem para exercer a respetiva faculdade de impugnação a partir do terceiro dia útil pos- terior ao da expedição da carta remetida para aquele efeito. Ora, sendo manifesto que o insolvente tem um interesse em contestar os créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência, no mínimo, idêntico ou equivalente ao interesse que os credores não reco- nhecidos, ou cujos créditos tiverem sido reconhecidos em termos mais desvantajosos, têm em contraditar a decisão que a tal conduziu, só excecionais razões poderão justificar a diferença que vimos existir entre os mecanismos processuais àquele e a estes facultados para a defesa das respetivas posições. 12. Por comprimir o direito ao processo equitativo, tanto na vertente do princípio do contraditório, como na dimensão relativa ao princípio da igualdade de armas, a norma impugnada encontra-se sujeita aos limites que o princípio da proibição do excesso, consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, fixa às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias. Conforme salientado na decisão recorrida, o processo de insolvência é um processo de natureza urgente, que se estende a todos os seus incidentes, apensos e recursos (artigo 9.º, n.º 1, do CIRE), opção que concre- tiza e traduz a preocupação em imprimir celeridade ao procedimento, tornando-o mais flexível e expedito, de modo a assegurar a respetiva eficácia. Sendo esse o único interesse em cuja prossecução poderá residir a dispensa de notificação ao insolvente da lista apresentada pelo administrador da insolvência nos casos em que esta é entregue depois de esgotado o prazo legal para o efeito fixado, o que importa começar por verificar, de acordo com a metódica assente no triplo teste desde há muito seguida na jurisprudência deste Tribunal (cfr. Acórdão n.º 634/93), é se aquela opção configura, relativamente ao fim visado, uma medida adequada; num segundo momento, impõe-se averiguar se a compressão do princípio do processo equitativo implicada na solução fisca- lizada é exigida pela prossecução do fim visado ou, pelo contrário, o legislador poderia ter lançado mão de um outro mecanismo, igualmente eficaz mas menos desvantajoso para o direito atingido; por último, importará determinar se o resultado obtido através dessa limitação é proporcional à carga coativa que a medida comporta ou se esta se revela, pelo contrário, excessivamente restritiva da posição jusfundamental afetada. Seguindo de perto a formulação adotada no Acórdão n.º 941/17, pode dizer-se que existirá violação do princípio da proibição do excesso se a medida em análise for considerada, desde logo, inadequada à fina- lidade que prossegue, conclusão que se imporá perante a convicção clara de que a mesma é, em si mesma, inócua, indiferente ou até negativa, relativamente a esse fim. Ora, é justamente o que sucede no caso em presença. Tendo presente que, por força da própria lei, a lista entregue pelo administrador da insolvência tem sempre que ser notificada aos credores não reconhecidos, aos credores cujos créditos tiverem sido reconhe- cidos apesar de não reclamados e aos credores cujos créditos tiverem sido reconhecidos em termos diversos dos reclamados, é manifesto que o processo nunca se tornará, nem menos célere, nem menos expedito, se a mesma notificação for dirigida também ao próprio insolvente. Não se trata, assim, de introduzir na sequên- cia de atos que integra o procedimento um qualquer dever de comunicação que não se encontre previsto já no regime que disciplina o processo de insolvência, mas tão-somente de incluir o próprio insolvente no universo daqueles que são destinatários obrigatórios dela. Por não originar qualquer ganho, efetivo ou potencial, na celeridade do processo, a dispensa de noti- ficação cuja constitucionalidade vem questionada revela-se, pois, em face do próprio regime constante do CIRE, uma medida irrelevante ou supérflua, e por isso inadequada, para a consecução daquele fim. Para além de dificultar de modo excessivo e intolerável a intervenção processual facultada ao insolvente, tal dispensa consubstancia, em suma, um meio imprestável ou impróprio do ponto de vista da finalidade que através dele é prosseguida, envolvendo, desde logo por essa razão, uma compressão dos princípios do contraditório e da igualdade de armas incompatível com o disposto no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição. O recurso deverá, pois, ser julgado procedente.
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