TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
230 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o aproveitamento de todo ele, se se deslocar diariamente à secretaria judicial para verificar se a lista já foi entregue, e se o fizer ao longo de tantos dias quantos aqueles em que persistir a delonga do administrador da insolvência, face ao que se dispõe no artigo 129.º, n.º 1, do CIRE. 10. Tal ónus, já em si conflituante com os princípios do contraditório e da proibição da indefesa, torna-se mais problemático ainda em face do efeito cominatório quase pleno que a lei associa à falta de impugnação dos créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência: independentemente da maior ou menor latitude consentida pela interpretação do conceito, é seguro que será apenas nos casos de «erro manifesto» que, na falta de impugnação, o juiz deixará de proferir de imediato sentença de verificação e graduação de créditos, limitando-se aí a homologar a lista dos credores reconhecidos elaborada pelo admi- nistrador da insolvência e a graduar os créditos reconhecidos em atenção ao que conste dessa lista (artigo 130.º, n.º 3, do CIRE). Daqui resulta que o desconhecimento do termo inicial do prazo para impugnação dos créditos reco- nhecidos não gera apenas a consequência de impedir o insolvente de contraditar a pretensão dos credores reclamantes; por força do efeito cominatório atribuído à falta de impugnação, tal desconhecimento produz ainda o efeito de tornar o património do insolvente automaticamente responsável pela totalidade dos crédi- tos reconhecidos pelo administrador da insolvência, nos exatos termos em que o tiverem sido, salvo caso de erro manifesto. Ora, a gravidade do efeito cominatório e preclusivo que a lei impõe ao insolvente não impugnante não pode deixar de reforçar a necessidade de uma certeza prática no conhecimento ou cognoscibilidade do ato que desencadeia o início do prazo dentro do qual poderá ser contestada a existência dos créditos reconheci- dos, a exatidão do seu montante e/ou a qualificação que receberam do administrador da insolvência (neste sentido, ainda que a propósito dos efeitos associados à revelia do réu em processo civil, cfr. Lopes do Rego, loc. cit., p. 857), tornando, por isso, mais problemática ainda, à luz do princípio do contraditório, a dispensa de notificação – que é o mecanismo processual destinado a dar conhecimento a alguém de um facto (cfr. artigo 219.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) – da entrega da lista dos créditos reconhecidos, sempre que a mesma tiver lugar depois de esgotado o prazo previsto para esse efeito. Ao comprometer determinantemente o exercício pelo insolvente da faculdade de impugnação dos créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência, a dispensa de notificação consentida pela norma impugnada afeta, em suma, uma projeção nuclear do princípio da proibição da indefesa, que assenta na inadmissibilidade de prolação de qualquer decisão sem que ao sujeito processual pela mesma afetado seja previamente conferida a possibilidade de discutir e contestar a pretensão que nela obtém procedência e se intensifica perante o efeito cominatório e/ou preclusivo associado à inação processual. Encontramo-nos, pois, numa zona especialmente sensível à intervenção do legislador ordinário, que obriga a uma ponderação particularmente exigente quando se trate de adotar mecanismos concretizadores das exigências de simplificação e celeridade do processo – as únicas em que, conforme adiante melhor se verá, poderá à partida basear-se a dispensa de notificação ínsita na norma impugnada. 11. A tensão que, do ponto de vista do princípio do contraditório, se viu existir entre a norma sob fis- calização e o princípio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, agrava-se ao confrontarmos a solução impugnada com o princípio da igualdade de armas. E isto porque, se assim se passam as coisas pelo lado do insolvente, o mesmo não sucede já relativamente aos credores cujas pretensões hajam sido preteridas. Com efeito, a lista dos créditos reconhecidos e não reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência é sempre notificada, conforme vimos, aos credores não reconhecidos, bem como àqueles cujos créditos tiverem sido reconhecidos em termos diversos dos reclamados, contando-se o prazo de 10 dias de
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