TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
23 acórdão n.º 157/18 sentido de submeter todos os titulares dos respetivos órgãos de administração ao mesmo corpo estatutário de res- ponsabilidades e deveres. Em sentido inverso, a não aplicação operada pela norma cuja inconstitucionalidade/ilegalidade se argui neste Requerimento visa isentar os titulares dos órgãos de administração das instituições de crédito do setor público empresarial desses mesmos deveres e responsabilidades. 13. Se o legislador, no âmbito das bases gerais das empresas públicas, tivesse pretendido que os diferentes regi- mes estatutários das instituições integradas do setor público empresarial gozassem de liberdade organizatória para definir para os respetivos membros de órgãos de administração o âmbito de deveres e responsabilidades individuais, conformes ou desconformes ao Estatuto do Gestor Público, teria de se ter limitado à identificação dos requisitos de mérito e idoneidade. Porém, não é essa a decisão do legislador que, decerto para garantir a unidade e coerência dos princípios e regras básicas aplicáveis ao governo das empresas públicas, identifica expressamente que todos os titulares dos seus órgãos de administração estão sujeitos ao Estatuto do Gestor Público. Diz mais o legislador, eles e só eles podem ser titulares de órgãos de administração o que denota uma opção de base que tem de presidir à governação das empresas públicas. 14. Assim, a desconformidade entre a norma em crise e o artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, constitui uma ilegalidade material, por violação de lei de valor reforçado, e indiretamente, uma inconsti- tucionalidade orgânica por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea u) da Constituição. 15. Para além disso, a norma em causa viola o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º, n.º 1 da Cons- tituição, na medida em que, por via da disposição normativa agora introduzida no Estatuto do Gestor Público, os administradores de instituições de crédito públicas passariam a estar dispensados do cumprimento de todo um conjunto de deveres e obrigações funcionais que são exigíveis a todos os administradores das demais entidades públicas do setor empresarial. Ora, o princípio da igualdade postula que às diferenciações de tratamento corresponda fundamento material bastante. Ademais, conforme sustentado acima, tratando-se de lei que não cumpre a garantia de Estado de Direito que a generalidade e abstração autênticas consubstanciam, o controlo judicial do respetivo cumprimento não se deve restringir à aferição da existência de um mero fundamento racional de diferenciação (igualdade como proibi- ção do arbítrio), antes se impondo um escrutínio estrito da medida de diferença adotada pelo legislador (propor- cionalidade da medida da diferença). ln casu, e desde logo, nem mesmo se verifica um fundamento racional de diferenciação, sendo, pois, de convo- car o princípio da igualdade como proibição do arbítrio. De facto, nada permite considerar, nem o demonstra o legislador, que a ratio pública de transparência que determina as obrigações declarativas de administrador de outras entidades públicas ( maxime , as de natureza empre- sarial) tem como de todas as outras obrigações, não tenha igual pertinência quanto às funções de administrador de uma instituição pública de crédito, a ponto de justificar a pura e simples subtração destes ao regime do Estatuto do Gestor Público (que os primeiros, todavia1 continuam obrigados a cumprir). Ou seja: por força da norma cuja constitucionalidade aqui se questiona, passariam a existir no ordenamento jurídico, sem fundamento plausível, dois regimes distintos para os gestores de entidades públicas: (i) O regime geral, aplicável a todos os administradores de entidades integradas no setor público empresarial; (ii) Um regime especial, aplicável apenas aos administradores de instituições de crédito públicas. Tudo, sem que exista nem seja minimamente demonstrada qualquer excecionalidade material que justifique a aprovação de semelhante ius singulare para a Caixa Geral de Depósitos. 16. Pelo que, salvo melhor opinião, é a norma constante do n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Gestor Público, na redação que lhe foi dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 39/2016, inconstitucional por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º, n.º 1 da Constituição. 17. Do mesmo modo, salvo melhor opinião, incorre também a mesma norma em violação do princípio da pro- porcionalidade, enquanto decorrência do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
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