TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

223 acórdão n.º 16/18 9. Efetivamente, tal interpretação, a contestada pelo recorrente, exige que o insolvente, confrontado com o incumprimento, por parte do Administrador da Insolvência, do prazo fixado para a apresentação das listas mencio- nadas, passe a, diariamente, e pelo período temporal de duração do incumprimento, apurar, junto da secretaria do tribunal, se a lista dos credores reconhecidos já foi apresentada. 10. Este novo ónus, não expresso na lei e que pode prolongar-se indefinidamente no tempo, revela-se inad- missível e injustificado, agride os alicerces do princípio constitucional do processo justo ou equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, do princípio do Estado de Direito proclamado no artigo 2.º do mesmo Texto Fundamental, ao dificultar, desproporcionadamente, por via da criação de um ilegítimo obstáculo processual, a efetiva prossecução, por parte dos insolventes, dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. 11. Consequentemente, não garantindo a lei, por via da interpretação normativa do disposto no n.º 1, do artigo 130.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, contestada nos autos, o efetivo conheci- mento, por parte do insolvente – quando o Administrador da Insolvência incumpra o prazo prescrito no n.º 1, do artigo 129.º, do CIRE para apresentação das listas de credores –, do conteúdo das mencionadas listas de cre- dores, em termos que assegurem, a qualquer insolvente normalmente diligente, o eficaz exercício dos seus direitos de defesa, não observa o due process of law , violando o princípio do direito a um processo equitativo, plasmado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e, concomitantemente, o princípio do Estado de Direito proclamado no artigo 2.º do mesmo Texto Fundamental. 12. A par desta constatação, e numa outra dimensão da mesma garantia do processo equitativo, defendemos que a perniciosa discriminação de tratamento incidente sobre o insolvente – quando confrontada com o tratamento concedido aos credores não reconhecidos, àqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado ou àqueles cujos créditos tenham sido reconhecidos em termos diversos dos da respetiva reclamação – resultante da interpretação normativa do disposto no n.º 1, do artigo 130.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas aqui impugnada, consistente na não notificação das listas de credores ao insolvente, nos casos em que o Administrador da Insolvência cumpra (defeituosamente) a obrigação que lhe é imposta pelo n.º 1, do artigo 129.º, do CIRE, para além do prazo legal, se revela violadora do princípio da igualdade de armas. 13. Efetivamente, perante agentes processuais com interesses contrapostos e, eventualmente antagónicos, deci- diu o legislador, na interpretação do artigo 130.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que agora examinamos, sem que para tanto se reconheça qualquer fundamento racional, consagrar a notificação a alguns credores – os não reconhecidos, aqueles cujos créditos tenham sido reconhecidos sem que os tenham reclamado e aqueles cujos créditos tenham sido reconhecidos em termos diversos dos da respetiva reclamação – do conteúdo das listas de credores – mesmo nos casos em que a apresentação de tais listas seja extemporânea – permitindo-lhes exercer efetivamente os seus direitos processuais e prosseguir os seus interesses legítimos, negando idêntico tratamento aos insolventes, os quais veem impedida ou, no mínimo, seriamente dificultada a defesa dos seus interesses processuais e materiais. 14. Assim, também nesta parte, somos forçados a concluir que se verifica a violação do princípio da igualdade de armas, enquanto emanação do, mais abrangente, princípio do direito a um processo equitativo, plasmado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, do princípio do Estado de Direito pro- clamado no artigo 2.º do mesmo Texto Fundamental. 15. Por força de tudo o que ficou exposto, afigura-se-nos que deverá o Tribunal Constitucional decidir pela inconstitucionalidade da interpretação normativa do disposto no n.º 1, do artigo 130.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, quando interpretado no sentido de o insolvente não dever ser notificado da lista de credores reconhecidos quando essa lista tenha sido apresentada para além do decurso do prazo fixado na sentença que declarou a insolvência e, consequentemente, conceder provimento ao presente recurso». Cumpre apreciar e decidir.

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