TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
211 acórdão n.º 225/18 Ora, não cremos que a validade dessa premissa esteja demonstrada, de molde a fundamentar, mesmo num escrutínio mais intenso, fundado na densidade dos valores constitucionais em equação, a censura diri- gida à opção tomada pelo legislador nas normas em referência. Naturalmente, não se coloca em dúvida que a sujeição a atos médicos como os implicados na procria- ção medicamente assistida e, com maior intensidade, a gravidez, o parto e o puerpério que lhes sucedam, comportam riscos para a saúde (incluindo obviamente a saúde mental) e constituem fenómenos que afetam profundamente a gestante como um todo, relevando tanto as vertentes biológicas ou fisiológicas, como as vertentes psíquicas e afetivas, do mesmo jeito que as interações com os beneficiários e a própria família (incluindo cônjuge e filhos), acrescentam outros problemas aos que normalmente se colocam às mulheres que engravidam no âmbito de um projeto parental próprio. Porém, daí a entender que se verifica ineluta- velmente uma possibilidade importante de insuficiência de informação sobre todas essas variáveis por parte da gestante de substituição, em termos incompatíveis com o respeito pela afirmação da sua personalidade, vai uma distância que a maioria se sentiu habilitada a ultrapassar, sem que, ao cremos, estivesse para tanto suportado em evidência empírica significativa. Designadamente, a premissa não se encontra afirmada nos pareceres emitidos pela CNECV, mormente no Parecer n.º 63/CNECV/2012, e, bem assim, no segmento transcrito do relatório elaborado pelo Conse- lheiro-Presidente Miguel Oliveira e Silva, em vista do referido parecer, onde se afirma tão somente que «[a] gravidez é um tempo vulnerável», a par do desenvolvimento das razões que justificam o reconhecimento de uma ligação biológica perene, ao nível epigenético, entre todo e qualquer recém-nascido e a mulher em cujo útero é gerado (cfr. ponto 43 do Acórdão). Ademais, os muitos estudos empíricos sobre o tema também não nos oferecem uma resposta clara, idónea a suportar a assertividade da conclusão atingida pela maioria, encontrando-se estudos que apontam antes no sentido da plena consciencialização dos riscos envolvidos por parte da larga maioria das gestantes de substituição, na mesma medida em que tal é possível de ser apreendido pela generalidade dos sujeitos (vide Lina, Peng. “Surrogate Mothers: An Exploration of the Empirical and the Empirical and the Normative”, in American University Journal of Gender Social Policy and Law 21 , n.º 3, (2013): pp. 555-582; V. Jadva, S. Imrie, S. Golobok, “Surrogate mothers 10 years on: a longitudinal study of psychological well-being and relationships with the parents and child”, in Human Reproduction, Vol. 30, n.º 3 (2015), pp. 373-379, doi:10.1093/humrep/deu339; Karen Busby e Delaney Vun, “Revisiting the handmaid’s tale: feminist theory meets empirical research on surrogate mothers”, in 26 Can. J. Fam. L. 13 (2010), pp. 13-94, com referên- cia a 40 estudos empíricos sobre as características e experiências de mulheres gestantes de substituição no Canadá, Estados Unidos da América e Reino Unido). Assim, como aliás se reconhece na decisão (ponto 26), o compromisso que a gestante de substituição assume perante os beneficiários projeta-se em todo o período de gestação e parto, e mesmo após o mesmo, com assunção da observância dos cuidados que previnam os riscos comuns a uma qualquer gravidez, o que envolve necessariamente a capacidade de antecipação dos mesmos, evidentemente na medida do possível. Nem os profissionais de saúde podem alguma vez remover por inteiro a incerteza, sem que se possa com esse fundamento negar a consciência ou a atualidade do consentimento da mulher grávida, em caso, por exem- plo, de amniocentese ou de cesariana. Afinal, o legislador cuidou de estipular um conjunto de informações a prestar à gestante (artigo 14.º, n. os 2, 5 e 6, da LPMA) e determinar a prestação pessoal do consentimento perante o médico responsável (artigo 14.º, n.º 1, da LPMA), sobre o qual recai o dever legalmente expresso de assegurar que a vontade prestada no ato seja inteiramente esclarecida, com referência a todos os benefícios e riscos conhecidos e pers- petiváveis em qualquer das fases do processo, assim como as respetivas implicações éticas, sociais, jurídicas e biológicas.
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