TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
21 acórdão n.º 157/18 Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, na redação que lhe foi dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de julho. 3. A redação da norma em causa é a seguinte: “O presente decreto-lei [refere-se ao Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março] ‘não se aplica a quem seja designado para órgão de administração de instituições de crédito integradas no setor empresarial do Estado e qualificadas como ‘entidades supervisionadas significativas’, na aceção do ponto 16) do artigo 2.º do Regula- mento (UE) n.º 468/2014, do Banco Central Europeu, de 16 de abril de 2014”. 4. Com esta alteração normativa, pretendeu o Governo, em suma, desaplicar aos administradores de institui- ções de crédito integradas no setor empresarial do Estado as normas vertidas no Estatuto do Gestor Público. 5. De acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 39/2016, esta não aplicação justificar-se-ia, alegadamente, por, “no caso das entidades de natureza pública, as regras específicas a que estão sujeitas as referidas instituições de crédito sobrepõem-se largamente, ou mesmo ultrapassam, os limites estabelecidos à organização, ao funciona- mento e à atividade das entidades públicas, incluindo as integradas no setor empresarial do Estado, e aos titulares dos respetivos órgãos”, razão pela qual se imporia “um ajustamento do estatuto dos titulares dos órgãos de admi- nistração que seja apto para alcançar o objetivo de maior competitividade das instituições de crédito públicas, sem perda de efetividade do controlo exercido sobre os respetivos administradores, preocupação que se encontra acautelada pela regulação hoje aplicável a qualquer instituição de crédito”. 6. Sabe-se, no entanto, por força de notícias largamente difundidas na imprensa e por declarações de membros do Governo para a opinião pública e para o Parlamento, que a ratio legis desta alteração foi essencialmente uma: a de isentar os (então recém-nomeados) administradores da Caixa Geral de Depósitos de todos os deveres e obriga- ções a que estão sujeitos os gestores de todo o universo das empresas públicas. O Gabinete do Ministro das Finanças em nota emitida para o efeito afirmou que “[a] ideia é a CGD ser tratada com qualquer outro banco. Essa foi a razão para que fosse retirada do Estatuto do Gestor Público”. (in Diário de Notícias, 25 de outubro de 2016, http://www.dn.pt/portugal/interior/governo-continua-a-esconder-rendimentos-dos- -novos-gestores-da-caixa5462720.html ) E também o Secretário de Estado Adjunto e do Tesouro e Finanças, Ricardo Mourinho Félix, ao afirmar que “o objetivo era o de equiparar a CGD a um banco privado e equiparar os gestores da CGD a gestores de um banco privado” ( Diário de Noticias, 26 de outubro de 2016, http://www.dn.pt/portugal/interjor/lei/-de1983-obriga-gestores- -da-cajxa-a-mostrar-rendimentos5463153.html ). O que veio a ser confirmado em declarações do Dr. A., nomeado pelo Governo para Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos, quo perante a Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa da Assembleia da República afirmou que “a questão que coloquei ao Governo foi a de que considerava que não se devia aplicar à Caixa o estatuto do gestor público e que deviam ser mexidas também as regras relacionadas com as empresas públicas. Porquê? Por várias razões. Porque a manutenção do estatuto do gestor público e as regras das empresas públicas significava que o Estado continuava a ter direitos especiais diferentes daqueles que um acionista normal tem” (reunião de 4 de janeiro de 2017 , http://www.canal.parlamento.pt/?cid=1537&title=audicao-a-...... ). 7. Só por esse motivo, poderia desde logo suscitar-se a dúvida sobre a conformidade constitucional de um diploma intuitu personae, traduzido num ato legislativo que, sob a capa aparente de normas jurídicas, contém, afinal, um regime individual e concreto, aplicável unicamente a pessoas perfeitamente individualizáveis, tanto mais que a Caixa Geral de Depósitos constitui a única instituição de crédito que se integra na previsão daquela norma. É que, mesmo não se desconhecendo a jurisprudência deste Tribunal sobre a admissibilidade constitucional da figura da lei-medida, a aprovação de um regime ad hoc , com vista a acomodar solicitações particulares de futuros titulares de cargos públicos, como condição para a aceitação da sua nomeação, indicia claramente a existência de um vício de desvio de poder legislativo. A acrescer, ainda que uma lei individual e concreta (ou não autenticamente geral e abstrata) não seja incons- titucional qua tale , a mesma sempre se revelará problemática em perspetiva de Estado de Direito. Na verdade, a
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