TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

209 acórdão n.º 225/18 da exclusão absoluta da possibilidade de, no caso de ser simultaneamente necessário o recurso à doação de gâmetas femininos, a doação de ovócitos ser realizada pela gestante. A escolha fundamental a que procedeu o legislador passou, assim, pela adoção de um modelo contratual aliado a uma forte intervenção pública e pelo reconhecimento legal da filiação no momento do nascimento, definidor das responsabilidades parentais na sua plenitude a favor dos beneficiários logo nesse momento, com o ganho de resolver o que se tem revelado ser um dos momentos nevrálgicos (e traumáticos) de todo o processo: a entrega da criança pela gestante de substituição aos beneficiários, especialmente se precedida de uma disputa, decorrente de projetos parentais alternativos. Ora, a declaração de inconstitucionalidade das normas dos n. os 7 e 8 do artigo 8.º da LPMA, na parte em que não admite a revogação do consentimento da gestante de substituição até à entrega da criança aos beneficiários, importando que aquela, nos termos gerais, assuma as responsabilidades parentais com o nasci- mento, atinge um dos principais alicerces do regime e determina o seu colapso. Como se viu, a gestação de substituição, nos termos em que o legislador a admite, tem inerente a opção por um critério de estabeleci- mento da parentalidade que não assenta no facto natural ou biológico do nascimento (artigo 1796.º, n.º 1, do Código Civil), antes na predominante ligação genética com o novo ser, no contexto de um projeto inicial de maternidade e paternidade assumido pelos beneficiários. A possibilidade de revogação do consentimento no momento do parto, tendo em vista a assunção da maternidade pela gestante – tornando incerta, por tempo nem sequer antecipável, a filiação da criança nascida –, não só esvazia de sentido a gestação de substi- tuição, como faz depender da vontade da gestante o estabelecimento da filiação, num domínio em que, por força do princípio da indisponibilidade do estado das pessoas e por imperativo constitucional, os vínculos de filiação devem estar previamente determinados por lei. Mais: a assunção de que assim se dá azo à emergência de conflitos entre a gestante e os beneficiários sobre de quem deve o nascido ser considerada filho ou filha, exigindo o dever do Estado de proteção da pro- teção da criança a abertura da via contenciosa a estes últimos, de modo a que possam obter a transferência da parentalidade em seu benefício, aproximando-se do modelo de emissão em juízo de uma parental order , reduz na prática as opções do legislador à via do reconhecimento judicial da parentalidade pós nascimento ou de fast-track adoption (caracterização frequentemente feita do modelo vigente no Reino Unido, vide, por exemplo, o “ Comparative Study on the Regime of Surrogacy in EU Member States ”, do Parlamento Europeu, 2013, p. 58). Por outras palavras, a declaração de inconstitucionalidade daquelas normas inviabiliza, para futuro, a consagração legal de verdadeiro e próprio regime de gestação de substituição, em contradição com o juízo anteriormente formulado – e a que demos o nosso acordo – de que a existência de um tal regime não é, em si mesmo, incompatível com o princípio da dignidade da pessoa humana e, nessa medida, tem cabimento constitucional. 2. Ao assim decidir, a maioria incorre, porém, num duplo equívoco.  O primeiro prende-se com a caracterização – e consequente categorização – do modelo de gestação de substituição instituído na Lei n.º 32/2006, de 26 de julho: a posição maioritária não reconhece na opção pelo estabelecimento legal de um critério de filiação, nos termos em que o consagra o n.º 7 do artigo 8.º da LPMA, o corolário lógico – nem, conforme adiante se verá, sequer um corolário possível – da razão de ser do próprio acolhimento da figura; pelo contrário, assumindo que o consentimento prestado da gestante con- templa não apenas a vontade de suportar uma gravidez em favor dos beneficiários, mas também a vontade de que a criança que vier a dar à luz não seja tida como sua filha, a posição que fez vencimento considera que aquele consentimento é, neste seu último sentido, constitutivo – ou, no mínimo, co-constitutivo – do vínculo de filiação a que alude o n.º 7 do artigo 8.º da LPMA, preceito ao qual acaba por atribuir, por isso, apenas o significado de eleger ou designar os sujeitos a favor de quem poderá ocorrer a renúncia, por parte da gestante, aos «poderes e deveres próprios da maternidade», tida por indispensável para a constituição daquele vínculo.

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