TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

206 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O princípio da proporcionalidade, enquanto instrumento de controlo, assume na jurisprudência do Tribunal Constitucional, um relevo prático distinto consoante as circunstâncias do caso, a natureza dos valo- res em conflito e a margem de conformação reconhecida ao legislador. A restrição do direito a conhecer as origens em relação ao dador, nos termos da lei, corresponde a uma medida exigida pelo fim – a intimidade da família e o direito a constituir família – e que não ultrapassa uma ideia de justa medida, limitando-se ao estritamente necessário para salvaguardar outros interesses constitucionalmente protegidos (artigo 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP) e contendo-se na estrita medida das exigências destes. Deve presumir-se que o legislador, aquando da alteração da lei da PMA para a adequar à evolução social, abrindo o recurso às técnicas reprodutivas à mulher só (Lei n.º 17/2016) e regulando a gestação de substi- tuição (Lei n.º 25/2016), entendeu, de acordo com a sua prerrogativa de avaliação, que a solução vigente, em relação ao anonimato dos dadores de gâmetas, é a mais adequada aos interesses em conflito. Quando está em causa o direito a conhecer as origens, todas as ordens jurídicas aplicam um método da ponderação de bens, encontrando soluções variadas, todas elas constitucionalmente admissíveis, desde que não impliquem a ablação total do direito. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem sido particularmente restritivo na admissibilidade do direito das pessoas adotadas de conhecer as origens e nunca se pronunciou sobre o regime jurídico de ano- nimato dos dadores. Se alguma orientação se pode recolher da jurisprudência do TEDH, contrariamente ao afirmado no acórdão que fez vencimento, é a de que este direito ao conhecimento da identidade genética deve ceder perante os direitos dos outros envolvidos à privacidade e à intimidade da vida familiar (cfr. caso Odièvre c. França ). Já o acórdão n.º 101/2009 chamava a atenção para a diferente extensão do direito a conhecer as origens genéticas consoante o contexto em que se desenvolve a identidade pessoal, defendendo como admissíveis nesta matéria soluções de equilíbrio ou de concordância prática, que salvaguardem a paz e a intimidade da vida familiar. Este acórdão fornece, assim, as bases para que as posições jurídicas contidas no direito à identidade pessoal beneficiem de uma proteção constitucional distinta consoante o direito seja invocado no instituto da adoção, na doação de gâmetas para PMA heteróloga ou na ação de investigação da paternidade. A adoção é um instituto jurídico mais antigo do que o recurso à PMA heteróloga, a propósito do qual se tem estudado a busca da identidade genética: existe prova empírica de que apenas uma minoria de pessoas adotadas procura conhecer a identidade dos pais biológicos e de que o chamado genealogical bewilderment não tem validade científica (cfr. E. Wayne Carp, Family Matters, Secrecy and Disclosure in the History of Adop- tion, London, pp. 155-157); em Portugal, a segurança social sempre aconselhou os pais adotivos a revelar à criança a sua história e as pessoas adotadas têm, desde a entrada em vigor da Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, o direito a aceder, a partir dos 16 anos, através dos organismos de segurança social, à identidade dos pais biológicos, com apoio psicológico e técnico fornecido pelo Estado. Contudo, esta legislação foi o fruto de uma evolução. Antes de 2015, a identidade dos pais biológicos só podia ser divulgada ao adotado, através da consulta do processo, mediante a comprovação judicial de motivos ponderosos, nos termos do artigo 173.º-B da Organização Tutelar de Menores. As famílias que recorrem à PMA heteróloga geralmente não divulgam aos filhos o modo de conceção (cfr. Rothstein/Murray/Kaebnick/Majumder ( edited by ), Genetic Ties and the Family, The Impact of Paternity Testing on Parents and Children , The Johns Hopkins University Press, 2005), devido ao interesse da criança na prevalência da parentalidade social sobre a identidade genética, por falta de apoio dos serviços de saúde para o efeito e porque a cultura dominante estigmatiza o recurso a estas técnicas reprodutivas, podendo a sua divulgação gerar conflitos familiares aos envolvidos. Por outro lado, os Estados receiam que o problema do acesso aos tratamentos de fertilidade se agrave, num contexto mundial em que a procura de gâmetas é mais elevada do que a oferta (cfr. E. Ignovska, «Sperm donors as assisters of reproduction in single women», in Global Bioethics, 2014, vol. 25, n.º 4, pp. 226-238).

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