TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
203 acórdão n.º 225/18 decisão, mas com um âmbito distinto, na medida em que entendo que a declaração de inconstitucionalidade do n.º 8 do artigo 8.º, em conjugação com o n.º 5 do artigo 14.º da referida Lei, tem por consequência, não só a inconstitucionalidade do n.º 7 do artigo 8.º, mas também a inconstitucionalidade da última parte do n.º 1 do artigo 8.º, na qual se consagra uma renúncia antecipada da gestante aos poderes e deveres próprios da maternidade. Voto vencida em relação à declaração de inconstitucionalidade do artigo 15.º, n.º 1 e n.º 4, no que diz respeito ao regime de confidencialidade dos dadores de gâmetas, por entender que a solução normativa con- sagrada na lei se situa dentro da margem de conformação do legislador democrático e não viola o princípio da proporcionalidade. Gestação de substituição Em relação à constitucionalidade das normas relativas à gestação de substituição, voto a decisão, mas com um âmbito e fundamentos, nalguns aspetos, distintos. A gestação de substituição, como ato de generosidade e de solidariedade de uma mulher para com outra mulher, na situação descrita no n.º 2 do artigo 8.º, não viola a dignidade humana da grávida, do casal infértil nem da criança que vier a nascer, como se entendeu no acórdão, devendo ser particularmente rigoroso, con- tudo, o controlo prévio da gratuidade e da relação de amizade/confiança entre a gestante e os beneficiários, não sendo suficiente, para prevenir a comercialização, a criminalização a posteriori consagrada no artigo 39.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho. O direito da família é o ramo do direito civil mais marcado pelo fenómeno da «constitucionalização» do direito privado, no sentido em que muitas das suas normas são a expressão de princípios e normas constitu- cionais, como é o caso do princípio da igualdade dos cônjuges, dos direitos-deveres que integram o conteúdo das responsabilidades parentais, da proteção da adoção e da proteção da infância. Por outro lado, o direito dos contratos, sendo por excelência aberto à autonomia privada e à liberdade contratual, contém normas e princípios que constituem o reflexo de normas constitucionais que consagram direitos fundamentais, admitindo-se promessas unilaterais livremente revogáveis e contratos em que uma das partes tem a opção de revogar o seu consentimento. Os chamados «negócios de personalidade» ou «negócios pessoalíssimos» são válidos mas têm um regime jurídico particular, que se caracteriza pela irrenunciabili- dade dos direitos de personalidade a par da possibilidade de restrição do exercício desses direitos através do consentimento informado, mas livremente revogável, isto é, estes contratos não são suscetíveis de execução específica contra a vontade do titular do direito. Em consequência, o consentimento para a limitação volun- tária ao exercício dos direitos de personalidade fundamentais deve ser atual, isto é, verificar-se no momento da lesão, sendo inválida a renúncia antecipada aos mesmos. A execução específica do contrato de gestação, permitindo aos beneficiários intentar um processo de entrega judicial da criança (artigos 49.º-50.º da Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro) e apresentar uma queixa crime por subtração de menores (artigo 249.º do Código Penal) contra a gestante, que se recusasse a entre- gar a criança, no momento do nascimento, seria particularmente gravosa para aquela e um desrespeito pela dignidade e direitos fundamentais de uma pessoa que se moveu por motivos altruísticos. O contrato de gestação de substituição é um negócio jurídico único, pelo esforço físico e psicológico necessário para levar a gravidez até ao fim, incidindo, portanto, sobre direitos de personalidade fundamentais da gestante. Este contrato repercute-se no estado das pessoas e nos seus direitos familiares pessoais, tradi- cionalmente reconhecidos e moldados por normas imperativas, em que era excluído o papel da autonomia privada. O estabelecimento da filiação sempre correspondeu a interesses de ordem pública, tal como tem sido reconhecido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional (vide, entre outros, o Acórdão n.º 401/11). A liberdade de constituir família e de estabelecer com a criança gerada o vínculo jurídico de materni- dade constituem direitos fundamentais da gestante, aos quais esta, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, renuncia voluntariamente antes do início dos processos terapêuticos necessários para a gravidez. Contudo, a tutela
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