TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
202 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o juízo de inconstitucionalidade assim formulado sob incidência da limitação de efeitos fixada na alínea g) , por considerar que o regime consagrado no n.º 4 do artigo 15.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, ao exigir a demonstração de razões ponderosas para a relevação da identidade dos participantes, embora consubstancie uma restrição desproporcionada dos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade das pessoas nascidas em consequência de processo de procriação medicamente assistida, não atinge ou pos- terga tais direitos em termos tais que imponham a desconsideração absoluta das expectativas daqueles que efetuaram a doação de gametas ou embriões, confiando legitimamente que apenas sob verificação daquele pressuposto a sua identidade poderia ser revelada. – Joana Fernandes Costa. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei favoravelmente, na sua totalidade, nos seus precisos termos e com todos os fundamentos aí apon- tados, a declaração de inconstitucionalidade das normas dos n. os 2, 3, 4, 7, 8, 10, 11 e 12 do artigo 8.º, dos n. os 1 e 4 do artigo 15.º e dos n. os 3, 4 e 5 do artigo 39.º, todos da Lei n.º 32/2006, de 26 julho. Deixo claro que o meu voto censura, para além das disposições explicitamente declaradas contrárias à Constituição, a gestação de substituição, em si mesma, enquanto conceito e enquanto técnica de procriação medicamente assistida: tenho-a por violadora da dignidade da pessoa humana – além de perigosa, na perspe- tiva da reprodução humana; opinião que sustento, além do mais, numa valoração de interesses, que coloca em primeiro lugar os da criança, em segundo os da gestante e em último os dos beneficiários. Não se me afigura que o paralelo estabelecido no texto do Acórdão com a procriação medicamente assistida o seja plena e efetivamente, consideradas as relevantes especificidades da gestação de substituição. Esta, em meu entender e considerado o quadro legal vigente, concretiza ou aprofunda uma alteração de paradigma que tenho por inaceitável, na medida em que, para além de todos as deficiências de construção jurídica justamente apontadas no texto do acórdão, degrada uma questão fundamental para a sobrevivência da espécie humana – a reprodução – num assunto exclusivo das mulheres. Não que tal me surpreenda, uma vez que a deriva já fora iniciada, lamentavelmente, pela lei da procriação medicamente assistida, com a sua menção à «tutela da liberdade e autonomia da mulher que quer ser mãe». Certo é que, diga o direito o que disser, omita o que omitir, a conceção de uma criança sem pai é tão absurda como a de uma criança sem mãe. E se, como mero exercício especulativo, admitíssemos tal possibi- lidade, então colidiríamos de frente com a Lei Fundamental. Na verdade, independentemente de a nossa Constituição poder suportar vários tipos de família, resulta claro do n.º 1 do artigo 68.º que todos os filhos têm mãe e pai. Melhor dito: resulta da natureza da espécie humana que todos os filhos têm mãe e pai, evidência que a Constituição se limita a reconhecer e proclamar. Não questiono a legitimidade de pensar diferente. Nem ponho em causa as intenções, que acredito generosas, dos que assim pensam. Mas creio que a reprodução humana é um assunto demasiado sério para ficar na dependência de manipulações tecnológicas de consequências imprevisíveis. Manda o princípio da precaução que, pelo menos enquanto se mantiverem por esclarecer as interrogações, dúvidas e problemas que suscita, a gestação de substituição seja rejeitada, por inconciliável com a Lei Fundamental. Tal juízo é partilhado pela larga maioria das ordens jurídicas que nos são mais próximas, que também a não admitem. Estamos, pois, em boa e avisada companhia. – João Pedro Caupers. DECLARAÇÃO DE VOTO Em relação à declaração de inconstitucionalidade das disposições constantes do artigo 8.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto), voto a
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