TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

201 acórdão n.º 225/18 pessoa na sociedade e que fazem com que cada indivíduo seja ele mesmo e não outro, diferente dos demais», o conhecimento tanto da ascendência genética como da herança epigenética constitui um pressuposto inar- redável da possibilidade de autodefinição da identidade própria daquele que nasce com recurso às referidas técnicas médicas, proporcionando-lhe o conhecimento da sua verdade biográfica e permitindo-lhe alcançar, através da descoberta daquelas suas origens, «pontos de referência seguros de natureza genética, somática, afetiva ou fisiológica», indispensáveis à auto compreensão, em todas as dimensões que a integram e codeter- minam, a sua condição de ser único e irrepetível. Em linha ainda com a posição que obteve vencimento, considero também – e de modo determinante – que, pressuposta necessariamente a inexistência de um qualquer dever de revelação a cargo dos progenito- res, caberá sempre a cada pessoa interrogar-se sobre a sua própria identidade e, em caso de dúvida, tomar a iniciativa de procurar esclarecê-la através do recurso aos mecanismos que para o efeito lhe devem ser dispo- nibilizados. Ora, é justamente no que diz respeito à natureza e à amplitude dos mecanismos de acesso à informação relativa à identidade dos doadores de gâmetas ou embriões e/ou da gestante de substituição, que me distancio da posição que obteve vencimento. Da consagração do direito à identidade pessoal, enquanto direito de cada um a «conhecer a forma como foi gerado», decorre para o legislador a proibição de instituir um sistema que vede ao interessado a possibili- dade de conhecer, pelo simples facto de o desejar, a sua origem genética e/ou epigenética. Porém, ao contrário da maioria, não creio que a salvaguarda de tal direito imponha ao legislador a obrigação de assegurar que o acesso à referida informação, ainda privativo do interessado, possa fazer-se por todos e qualquer um dos meios através dos quais aqueles elementos podem ser obtidos, designadamente por mera interpelação de quem quer que, «por alguma forma» – direta, fortuita ou acidental – tiver tomado «conhecimento do recurso a técnicas de PMA ou da identidade de qualquer dos participantes nos respetivos processos» (n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho). Pelo contrário: considerado o caráter pessoalíssimo e reservado da informação a prestar e a consequente- mente necessidade de confirmação da identidade daquele que se apresenta a solicitá-la, entendo nada haver a censurar na opção por um sistema que, ao invés de liberalizar (ou até mesmo trivializar) os mecanismos de revelação – permitindo que os elementos relativos à identidade dos doadores do material genético e/ou da gestante de substituição possam ser informalmente obtidos, em todo e qualquer contexto, junto de toda e qualquer pessoa que, independentemente da sua qualidade ou condição (médico, biólogo, assistente admi- nistrativo, técnico informático, etc.), aos mesmos tiver por qualquer forma acedido –, se baseie na exigência de um processo de divulgação padronizado, que suponha a intermediação de um órgão público. Assente que se trata do exercício de um direito potestativo ao conhecimento das origens, não creio igual- mente que a Constituição vede ao legislador a possibilidade de cometer tal tarefa aos tribunais, prevendo, no âmbito da jurisdição não contenciosa, mas voluntária, uma providência expedita e simplificada, integrada pelas formalidades mínimas necessárias a garantir, designadamente através da confirmação da identidade do requerente, a probidade de todo o processo de divulgação. São estes, no essencial, os motivos pelos quais cingiria o juízo de inconstitucionalidade formulado na alínea e) à norma constante do n.º 4 do artigo 15.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, considerando-a incompatível com os direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade das pessoas nas- cidas em consequência de processo de procriação medicamente assistida com recurso a dádiva de gâmetas ou embriões e/ou gestação de substituição, apenas na medida em que, por um lado, coloca na dependência da demonstração de outras razões – suplementares e adicionais à mera vontade de conhecer o modo como foram geradas – a relevação da identidade dos dadores, e, por outro lado, exclui do âmbito das informações disponibilizáveis o conhecimento da identidade da gestante de substituição. Por último, e à semelhança do que ocorreu no Reino Unido aquando da abolição da regra do anonimato [ Human Fertilisation and Embryology Authority (Disclosure of Donor Information) Regulations 2004 ], colocaria

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