TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

199 acórdão n.º 225/18 Ao contrário do que defendi no caso da dádiva de gâmetas ou embriões, entendo que, no recurso à gestação de substituição, o direito à historicidade pessoal é dotado de densidade suficiente, integrando a possibilidade de se conhecer a forma como se foi gerado, e, por isso, a circunstância da utilização de uma gestante de substituição, mas deve, ainda, incluir a possibilidade de se conhecer a identidade da gestante, sem necessidade de invocação de especiais razões. Neste caso, quer em virtude da ligação gestacional, estável e duradoura, existente entre a gestante e a criança, quer em resultado da inevitável ligação daquela com aqueles que para a criança desenharam um projeto social de parentalidade, resulta claro que a história pessoal desta, fundamental à construção da sua identidade, não pode deixar de compreender a informação sobre estas rela- ções, incluindo o conhecimento da identidade da gestante. Nestes casos, a não divulgação pode traduzir uma importante lesão de um verdadeiro direito à historicidade pessoal que outros direitos dos pais jurídicos e dos dadores (como a reserva da intimidade da vida privada e familiar) não poderão justificar. 7. Em suma, dissenti da alínea e) da decisão, na parte em que sustenta que o regime de sigilo quanto aos dadores, até agora em vigor, impunha uma restrição desproporcionada dos direitos à identidade pessoal e ao livre desenvolvimento da personalidade da pessoa gerada com recurso a PMA. Uma tal posição não impediu que houvesse considerado acertada a decisão de inconstitucionalidade do Acórdão quanto ao segmento da norma respeitante ao sigilo relativamente àquele que foi gerado com recurso a uma gestante de substituição. E. 1. Tendo embora subscrito a decisão da alínea g) , na parte em que esta determina, ao abrigo do artigo 282, n.º 4, da CRP, que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade das alíneas a) , b) e c) não se aplicam aos contratos de gestação de substituição já autorizados pelo CNPMA em execução dos quais tenham sido iniciados os processos terapêuticos de procriação medicamente assistida, votei, também, no sentido da limi- tação de efeitos da decisão da alínea e) , que declarou a inconstitucionalidade da norma do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 15.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho. 2. Como atrás se afirmou, votei no sentido da não inconstitucionalidade da norma na parte que impõe uma obrigação de sigilo relativamente às pessoas nascidas em consequência de processo de procriação medi- camente assistida com recurso a dádiva de gâmetas ou embriões, (especificamente) sobre a identidade dos doadores, no que fiquei vencida. Tendo a maioria decidido no sentido da sua inconstitucionalidade, e em face das consequências que de uma tal decisão advêm para as situações constituídas antes desta, não podia deixar de me pronunciar, veementemente, no sentido da limitação dos efeitos, nessa parte, que não deve- riam abranger o conhecimento por aqueles que foram concebidos por dádiva feita a coberto do regime de confidencialidade (ou seja, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade não se aplicariam aos casos das pessoas geradas com recurso a dador, sempre que a doação tenha sido efetuada até à data da presente decisão), por considerar que tal se imporia, por imperativos de segurança jurídica. Para tal juízo, creio con- tribuir a violenta quebra de confiança que se opera relativamente àqueles que procederam a doação ainda num quadro jurídico que assegurava a sua confidencialidade, o que, seguramente, pesou, nessa altura, na sua decisão, regime que, aliás, oferecia já garantias suficientes de proteção em caso de “razões ponderosas”. Tal mudança abrupta pode ter, a meu ver, consequências tremendas, com que não podiam contar os dadores, para o seu direito à autodeterminação relativamente à informação que lhe respeita, para o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, para o seu próprio direito à identidade pessoal (já que a definição de quem nós somos resulta, quer do que nos origina, quer, também, do que originamos, ou não) e, sobretudo, para o seu direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar. Esses reflexos não se circunscrevem aos que derivam do conhecimento da realização da dádiva em si mesma considerada, mas estendem-se aos que resultam do facto de se poder ser pessoal, familiar e socialmente confrontado com uma existência que lhe é devida. Querer menorizar essas consequências para a sua vida pessoal, familiar e social por não estarem pre- vistas para tal dádiva consequências jurídicas ao nível da parentalidade é esquecer, por um lado, que na vida

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