TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
197 acórdão n.º 225/18 Em suma, seria, a meu ver, inconstitucional vedar a gestação de substituição em qualquer caso, embora seja constitucionalmente solvente uma solução legislativa que a preveja, ainda que exigindo condições espe- ciais – como a não onerosidade, – que defendam a dignidade da pessoa humana (da gestante e da criança). A meu ver, a voluntariedade plena, o ato altruísta, é um dos requisitos que em muito contribui para que se afaste a violação da dignidade humana. Outras condições serão o consentimento livre, esclarecido, livremente revogável, expressão de verdadeira autonomia, assim como a subsidiaridade. C. Apesar da posição acima assumida sobre a existência de um direito à procriação medicamente assistida e à gestação de substituição, concluo, seguindo a decisão (e fundamentação) maioritária, que algumas soluções jurídicas concretas (fundamentalmente) consagradas no artigo 8.º da LPMA atentam contra a Constituição. Foram essas especiais opções legislativas, amplamente fundamentadas no texto do Acórdão, que foram decla- radas inconstitucionais, e não a admissibilidade, em si, da gestação de substituição. D. 1. Fiquei parcialmente vencida quanto à alínea e) da decisão, na parte em que considerou inconsti- tucional a norma que impõe uma obrigação de sigilo às pessoas nascidas em consequência de processo de procriação medicamente assistida com recurso à dádiva de gâmetas ou embriões, incluindo nas situações de gestação de substituição, sobre o recurso a tais processos ou à gestão de substituição, e sobre a identidade dos participantes nos mesmos como dadores ou enquanto gestante de substituição. 2. Comecei por concordar com o Acórdão quanto ao entendimento da norma, já que considero que nela não se impõe um segredo absoluto, pois resulta claro que esta está dotada de mecanismo judicial de ponderação, aí se estabelecendo que “podem ser ainda obtidas informações sobre a identidade do dador por razões ponderosas reconhecidas por sentença judicial”. Mesmo aceitando que a norma impõe uma restrição aos direitos daquele que foi concebido com recurso a técnicas de PMA, entendo, ainda assim, que a solução nela vertida permitia, ainda, encontrar um equilíbrio entre os diferentes direitos afetados dos direitos do dador, dos pais jurídicos, e daquele que foi gerado com recurso à PMA (sem que para este representasse, a meu ver, restrição excessiva), pelo que deveria ter sido mantida, no geral, a jurisprudência deste Tribunal na matéria, vertida no Acórdão n.º 101/09. 3. Rejeitei que fosse inconstitucional (por violação dos direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade ou à identidade genética de quem foi gerado), a norma que determina que só pudesse ser revelada a identidade do dador mediante a invocação judicial de razões ponderosas. Todavia, entendi que o legislador deve fixar um regime diferenciado no caso do segredo relativo à identidade da gestante de substituição, razão pela qual subscrevi, nessa parte, a decisão de inconstitucionalidade. A diferença entre as situações encontra fundamento na circunstância de o direito à identidade pessoal, na sua vertente de direito à historicidade pessoal, ao conhecimento das raízes, no confronto com os demais direitos fundamentais em jogo, ser merecedor de grau diverso de intensidade de proteção consoante esteja em causa uma doação de gâmetas ou de embriões, ou o recurso a gestação de substituição. 4. Sublinhe-se, que no caso do uso das técnicas de PMA, a minha divergência quanto à solução de segredo plasmada apenas existe quanto à necessidade de identificação (no que mais releva, nominativa) do concreto dador, e não já relativamente à inexistência de sigilo quanto ao uso destas técnicas, ou quanto à revelação do património genético, desde que não concretamente referido a uma pessoa que aquele que foi gerado com recurso a PMA possa, por si, identificar.
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