TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

196 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a rejeitar algumas soluções legislativas concretizadoras, acompanhando o Acórdão, sem que, com isso, haja afastado a admissibilidade constitucional desta especial técnica de procriação medicamente assistida (PMA). Assim sendo, concordei com a solução vencedora plasmada no Acórdão quando refere, por exemplo, que a consagração da gestação de substituição no artigo 8.º da LPMA, por si só, para concretizar um projeto parental, “não viola a dignidade da criança nascida na sequência de tal forma de reprodução”, não viola o dever de proteção da infância (artigo 69.º da CRP), e, ainda, “só por si, este modo de procriação não colide com o conceito constitucionalmente adequado de família”, pelo contrário, é seu “fator de dinamização” quando, por razões de saúde, não era possível estabelecer vínculos de filiação. 2. Não acompanhei, contudo, na sua plenitude, a fundamentação, em especial na parte em que, a pro- pósito da caracterização do modelo português de gestação de substituição (por exemplo, ponto 27), se qua- lifica a intervenção do legislador, prevendo-a como uma mera opção, já que a este caberia escolher admitir, ou não, a gestação de substituição. Ora, ainda que a decisão considere que esta técnica não deve ser afastada sem razões fortes, porque favorece bens constitucionalmente protegidos, por isso se admitindo a sua “admis- sibilidade, de princípio”, não me revejo nessa posição que relega a adoção da gestação de substituição, ou das demais PMAs, para a livre disponibilidade do legislador, assim deixadas ao sabor circunstancial das maiorias. A meu ver, pelo contrário, a permissão, ainda que condicionada, da gestação de substituição (e, de modo geral, da PMA), mais do que corresponder a uma opção do legislador, é uma solução constitucionalmente imposta, para garantia de bens constitucionalmente relevantes, sempre que tal corresponda a procedimentos que sejam tecnicamente possíveis e não contrários à dignidade humana (o que, para tal, no caso da gestação de substituição, pode exigir a sua indispensabilidade, aqui se sublinhando as razões de saúde, a sua exceciona- lidade, e garantias de liberdade e da autonomia da gestante, como a gratuitidade) para a efetivação do direito fundamental a procriar, a constituir família (artigo 36.º, n.º 1, da CRP), e para realização do direito ao livre desenvolvimento da personalidade daqueles que assumirão a maternidade/paternidade, mas, também, daqueles que procedem a dádiva, ou da gestante de substituição (artigo 26.º, n.º 1, da CRP). Por isso, dife- rentemente do que defende o Acórdão (e, antes dele, o Acórdão n.º 101/09), considero que não há, apenas, uma “admissibilidade de princípio”, mas uma imposição da possibilidade do uso das técnicas de PMA, nelas incluindo a gestação de substituição. 3. Entendo que quando a Constituição estabelece, no artigo 67.º, n.º 2, que incumbe ao Estado regula- mentar a PMA salvaguardando a dignidade humana, – a Constituição não só admite a PMA, aí se incluindo a gestação de substituição, como parece querer que tais técnicas sejam contempladas pelo legislador, embora sem que violem a dignidade humana. Caberá, por isso, ao legislador, definir, dentro das possibilidades da técnica, mas também em circunstâncias que preservem a dignidade da pessoa humana, as condições para sua concretização. Isso não obriga a que Estado admita a PMA e a gestação de substituição como puros métodos alter- nativos e em quaisquer circunstâncias. Assim, no caso, a liberdade do legislador passará, designadamente, pela faculdade de escolher autorizar a gestação de substituição apenas quando esta seja o único método, por exemplo, por razões de infertilidade, ou por razões evidentes de morfologia/sexo. Apesar deste entendimento, não acompanho aqueles que defendem que a gestação de substituição deve ser admitida mesmo quando onerosa, por estar em causa o livre desenvolvimento da personalidade da ges- tante, e dever ser esta decisão expressão plena de autonomia. A questão, no meu entender, não passa por fazer valer a autonomia da gestante a todo o custo (o que levaria a admitir a gestação de substituição, mesmo quando onerosa, enquanto disposição do próprio corpo), mas apenas até onde não choque com a própria dignidade humana, desde logo, com a dignidade da criança. Creio que pode haver circunstâncias, e a Constituição assim o sinaliza, que obrigam a que não seja admitida – sendo a onerosidade a mais impressiva, por causa da dignidade da criança, que assim seria posta em causa.

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