TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

194 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ademais, não creio que os dados de direito comparado, mormente a evolução sentida na Europa após a prolação do referido aresto, em 2009, assumam o relevo e a concludência que se lhes atribui. Afinal, a opção pela confidencialidade persiste adotada em diversos ordenamentos jurídicos, maxime em ordenamentos de Estados cujo tecido social nos é mais próximo, como é o caso da Espanha e da França. Note-se, ainda, que o Reino Unido, ao abandonar a opção pelo anonimato (entenda-se, o anonimato absoluto, que as normas sindicadas não consagram), acautelou a segurança jurídica dos dadores que fizeram a respetiva dádiva de gâmetas ou de embriões antes de 1 de abril de 2005 e que não dispensem expressamente o anonimato: para esse universo de sujeitos, a regra permanece o do sigilo quanto à respetiva identidade. 4. O problema coloca-se em termos distintos quando considerado o sigilo que cobre a identidade da ges- tante de substituição. Trata-se, aí, de anonimato absoluto, sem qualquer margem de ponderação, mostrando-se efetivamente desproporcionada tal restrição dos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da perso- nalidade do nascido por via de tal processo. A necessidade de tutela da paz familiar que se pode colocar neste plano é significativamente inferior à que se regista relativamente ao dador, sendo de realçar os estudos suportam a muito maior frequência com que a intervenção da gestante de substituição é revelada às crianças pelos pais (o que pode estar associado à evidência social de que a mãe não esteve grávida ou de a gestação de substituição recair em membro da família), ao mesmo tempo que afastam receios de alteração dos laços afetivos preestabe- lecidos ou de confusão na criança sobre os papéis parentais (cfr. V. Jadva, S. Imrie e S. Golombok, “Surrogate mothers 10 years on: a longitudinal study of psychological well-being and relationships with the parents and child”, in Human Reproduction , Vol. 30, N.º 2, pp. 373-379, 2015; doi:10.1093/humrep/deu339). 5. Dito isto, os requerentes não se limitaram a pretendida declaração de inconstitucionalidade na res- trição dos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade do nascido por via de PMA heteróloga: convocaram igualmente as recentes alterações à Lei da Adoção à luz do princípio da igualdade, problema naturalmente não apreciado no Acórdão n.º 101/09, dada a superveniência das alterações referidas. De facto, o regime da adoção assume proximidade com a problemática em apreço pois, tal como acon- tece com a PMA heteróloga, a filiação não assenta no biologismo. Coloca-se, então, perante um e outro grupo de sujeitos (adotados e nascidos por processo de PMA com recurso a dádiva de gâmetas ou embriões), em termos comparáveis, o problema do direito ao conhecimento da identidade dos progenitores. Com efeito, no regime da adoção vigente, o artigo 1990.º-A do Código Civil, introduzido pela Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, garante às pessoas adotadas o direito ao conhecimento das suas origens, nos termos definidos pelo diploma que regula o processo de adoção. Este, aprovado pela mesma Lei, contém no artigo 6.º as condições e limites para tal informação, cometendo no n.º 1 aos organismos de segurança social o dever de prestar os dados sobre a identidade, as origens e os antecedentes do adotado, mediante solicitação expressa do adotado com igual ou superior a 16 anos (em caso de requerente menor, condicionado a autori- zação dos pais adotivos ou do representante legal e com apoio técnico obrigatório). Nenhuma outra exigência incide sobre o adotado requerente, o qual não carece de se dirigir a juízo ou de apresentar motivação para o efeito lhe ser revelada a identidade dos seus progenitores. A consagração pelo legislador, no âmbito do regime de adoção, do regime regra do acesso ao conheci- mento das origens, com referência aos progenitores do adotado, sem impor a este qualquer ónus, contrasta efetivamente com a regra de sigilo, mesmo que mitigado, que subsiste no regime da PMA sobre a identidade dos participantes nos mesmos como dadores, criando tratamento diferenciado entre sujeitos em posição comparável, sem justificação material que o legitime. A circunstância de os adotados, ao contrário dos nascidos por PMA heteróloga, terem visto reconhecido um vínculo jurídico de filiação natural, substituído pela filiação adotiva, enquanto o dador é originariamente irrelevante para a parentalidade, não torna solvente a diferenciação, à luz do direito fundamental em equação. Mesmo a possibilidade de existir, no caso do adotado, um período de interação com os pais naturais, gerador

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