TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
193 acórdão n.º 225/18 de processo de procriação medicamente assistida (PMA) com recurso a dádiva de gâmetas ou embriões, incluindo nas situações de gestação de substituição, sobre o recurso a tais processos ou à gestação de substi- tuição e sobre a identidade dos participantes nos mesmos como dadores ou enquanto gestante de substitui- ção, e do n.º 4 do artigo 15.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho. Todavia, e no que se refere aos dadores, não acompanho a fundamentação em que se alicerça maioritariamente a decisão, pois considero que a referida dimensão normativa é inconstitucional com fundamento em parâmetros distintos, nomeadamente, por vio- lação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição), em conjugação com os direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, consagrados no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, pelas razões que passo sumariamente a enunciar. 2. Salvo no que se refere à gestação de substituição (admitida apenas com as alterações introduzidas na LPMA em 2016), a normação sobre a confidencialidade quanto aos participantes em processo de PMA como dadores face aos nascidos em consequência de um tal processo, é a mesma que foi sindicada pelo Acór- dão n.º 101/09, igualmente em fiscalização abstrata sucessiva. Negou então o Tribunal a violação do direito à identidade pessoal e do direito ao desenvolvimento da personalidade (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição) e, bem assim, a violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição), em relação às pessoas nascidas a partir da utilização de técnicas de PMA heteróloga, ponderando que o dever de sigilo consagrado pelo legis- lador resulta atenuado pela possibilidade de acesso pelo interessado, através da CNPMA, a todos os dados de natureza genética (excluindo a identidade do dador), e que a limitação à revelação dos dados de identificação do dador, decorrente da imposição de prévia autorização judicial, encontra justificação na preservação de outros valores constitucionalmente tutelados, não constituindo restrição excessiva nem discriminação arbi- trária, merecedora de censura à luz do princípio da igualdade entre cidadãos. A posição que fez vencimento afasta tal entendimento, desvalorizando, quer o risco de afetação da paz familiar e dos laços afetivos que ligam os membros de uma família, quer o risco de redução importante do número de dadores – ambos reconhecidos na anterior pronúncia do Tribunal –, os quais não considera idóneos a justificar o regime de anonimato mitigado consagrado pelo legislador, impondo-se, antes, como regime-regra, a atribuição ao nascido por processo de PMA do direito de ser informado da identidade dos dadores sempre que o solicitar. É deste percurso fundamentador que divirjo, pois acompanho no essencial a motivação exarada no Acórdão n.º 101/09. 3. Com efeito, entendo que a avaliação prudencial de tais riscos – reais e que não se vê minorados no contexto social português, em particular a redução do número de dadores nacionais, que se mantém muito baixo – está contida na margem de apreciação do legislador democrático, legitimando, perante o conflito de interesses ou valores constitucionalmente tutelados em presença, que se adote solução de equilíbrio ou de concordância prática, através da estipulação que o regime-regra seja o do sigilo mitigado quanto à identidade dos dadores. Acresce que, pese embora não sejam conhecidas decisões judiciais proferidas no âmbito de processo instaurado ao abrigo do n.º 4 do artigo 15.º, certo é que, como se afirmou no Acórdão n.º 101/09, as razões oferecidas pelo interessado não poderão deixar de merecer peso tendencialmente prevalecente na apreciação concreta do caso, à luz do direito fundamental à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, designadamente quando não haja oposição do dador ou este não consubstancie perigo de lesão para os seus direitos fundamentais com a pretendida revelação (vide Rui Medeiros e António Cortês, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2010, pp. 610-1611, sustentando que o preenchimento da cláusula geral deveria merecer uma interpretação conforme ao direito fundamental ao conhecimento das origens genéticas). Assim entendido, o sistema instituído não se afigura menos eficaz, à luz do direito ao conhecimento das origens, que outro, assente na regra de acesso ao conhecimento dos progeni- tores, mas cujo desfecho fique dependente da audição (e eventual oposição) dos dadores visados.
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