TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
181 acórdão n.º 225/18 questões relativas ao regime da nulidade do contrato de gestação de substituição) e B.6.3 (A questão da indeterminabilidade do regime legal do contrato de gestação de substituição) – exatamente por, além do mais, revelarem os traços de incerteza que, por si só, convocam, numa ótica cautelar, uma tutela acrescida da dignidade da pessoa humana no que respeita à (projetada) criança. 3.2. No que respeita à ‘renúncia’ aos direitos e deveres próprios da maternidade, elemento essencial da noção de ‘situação’ de gestação de substituição – que tem por contraponto no regime legal a norma que, afastando a supra mencionada regra legal do artigo 1796.º, n.º 1, do Código Civil, estabelece a filiação na ‘situação’ de gestação de substituição, segundo a qual a criança que nascer é tida como filha dos respe- tivos beneficiários – considera-se igualmente que essa ‘renúncia’, por condicionar a esfera da (projetada) criança, igualmente encerra uma incerteza e risco não compagináveis com o princípio da dignidade da pessoa humana, na perspetiva da mesma criança. Por um lado, ainda que se admitisse ser tal ‘renúncia’ uma expressão do livre desenvolvimento da perso- nalidade e da auto-determinação da gestante que, co-partilhando o intuito dos beneficiários de concretiza- rem um projeto parental próprio, tornando este viável – traduzida no seu consentimento, livre e esclarecido, e livremente revogável mesmo para além do início dos processos terapêuticos de PMA (sob pena de se verifi- car, na perspetiva da gestante, uma restrição desproporcionada daquele seu direito ao livre desenvolvimento da personalidade, interpretado à luz da dignidade da pessoa humana – cfr. B.6.1, n.º 46 do Acórdão) –, ainda assim essa expressão de vontade (para além de gerar as incertezas acima referidas no caso de, afinal, não ter lugar) não deixa de se projetar, à partida, sobre a esfera jurídica de (depois do nascimento) um terceiro – que, por um lado, até ao nascimento apenas conhecerá uma relação biológica (e epigenética, apesar de não gené- tica) com a gestante e, depois do nascimento, se houver ‘renúncia’ o privará definitivamente da parentalidade por via da gestante e da sua família. Acresce a este respeito que – e agora apenas na perspetiva da gestante – a previsão legal da ‘renúncia’ sempre comporta à partida a preclusão definitiva do seu direito (fundamental) a constituir família que inclua a criança cuja gravidez levou até ao fim, mesmo tratando-se de gestação de substituição (e não genética). 3.3. Das várias ordens de incertezas indicadas resulta, pois, uma situação de perigo que, por si só, face à centralidade do valor em causa, já comporta a sua violação, assim reclamando uma proteção forte (ou de nível mais elevado) face a tais incertezas que, em consequência, tal como sucede em outros ordenamentos jurídicos, reclama ainda, mesmo tendo em conta a evolução das conceções sociais, uma abstenção prudencial no que respeita à consagração da gestação de substituição. Por força desta conclusão nos afastamos, em particular, das conclusões alcançada no Acórdão, em B.4, 33. e em B.5, 35. (respetivamente, a propósito da análise da dignidade da criança nascida através de gestação de substituição e outras questões de constitucionalidade suscitadas pelo modelo português), na medida em que da exclusão de certezas sobre o malefício de uma rutura do vínculo biológico entre a gestante e o nasci- turo retira a exclusão da pertinência de um argumento jurídico fundado apenas na dignidade da criança e, ainda, da incerteza do perigo inerente à gestação de substituição para o desenvolvimento da criança, retira um significativo espaço de avaliação e de conformação do legislador, não impondo uma única atuação, em especial a prevenção absoluta de qualquer risco mediante a proibição da ‘situação’ de gestação de substituição. Em todo o caso, cotejando a final o resultado que pela via exposta se alcança – a desconformidade constitucional de todas as normas do artigo 8.º –, com o correspondente resultado alcançado pela maioria vertido na Decisão do Acórdão, conjugados os diversos parâmetros que se têm por violados, não é demais ressaltar que as normas do artigo 8.º que não são objeto de uma declaração de inconstitucionalidade, seja direta (n. os 4, 10 e 11; n.º 8, em conjugação com o n.º 5 do artigo 14.º; e n.º 12), seja consequencial (n. os 2 e 3; e n.º 7 do artigo 8.º) são, afinal, apenas, as normas dos n. os 1 (noção), 5 e 6 (requisitos negativos) e 9 (norma de remissão, com as devidas adaptações, para os artigos 12.º e 13.º, respeitantes aos direitos e deveres
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