TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

179 acórdão n.º 225/18 parlamentar venha estabelecer para os mesmos um regime constitucionalmente adequado –, que o consi- derando a) do contrato-tipo de gestação de substituição adotado pela CNPMA expressamente se refere ao recurso às técnicas de PMA, por beneficiários «independentemente da sua nacionalidade e do local onde está instalada a sua residência habitual desde que escolham um domicílio negocial em Portugal que, nesse caso, constará expressamente do texto do contrato» e a sua cláusula 15.ª se refere a uma «Obrigação de realização em Portugal dos atos de execução do contrato de gestação de substituição» cujo cumprimento constitui «condição obrigatória» da validade e eficácia da futura aprovação do contrato pela CNPMA (cfr. n.º 1), da autorização de celebração do contrato emitida pela CNPMA e do próprio contrato (cfr. n.º 2). A tais eventuais dúvidas com projeção no estatuto jurídico da criança que podem colocar-se, no essen- cial, a jusante do nascimento, em relação a (f )atos cruciais que integram a própria noção legal de gestação de substituição (e, assim, às obrigações decorrentes da gestação de substituição, vertidas em contrato), outras podem colocar-se acrescidamente a montante do nascimento, no que respeita a diferentes momentos e dimensões da ‘situação’ de gestação de substituição, em especial durante a gravidez – cuja decisão, diversa- mente das situações anteriores de uso de técnicas de PMA, transcende (ou pode transcender) a estrita esfera interna da mulher que se submeteu a tais técnicas – seja no que respeita aos diferentes fundamentos legais da interrupção voluntária da gravidez, seja no que respeita a vicissitudes e riscos inerentes à gravidez e passíveis de afetar, para além da gestante, a (projetada) criança. Duas ordens de dúvidas a montante do nascimento, resultantes do regime legal vigente constante da LPMA, conjugado com o Decreto Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho (e, ainda com o contrato-tipo de gestação de substituição aprovado pelo Conselho nacional da PMA, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 3.º daquele Decreto Regulamentar), são ilustrativas do estatuto precário da (projetada) criança (e da sua própria existência intra-uterina, constitucionalmente protegida), concebida com recurso a técnicas de PMA com vista à (futura) ‘entrega’, pela gestante, aos beneficiários. Em primeiro lugar – e também com relação com a questão da limitação, resultante da lei, da revogabi- lidade do consentimento da gestante (cfr. B.6.1 do Acórdão) – a eventualidade de a gestante, ainda antes do parto, pretender exercer, afinal, um projeto parental próprio, assim precludindo (ou pretendendo precludir) a ‘entrega’ e a ‘renúncia’ previstas na lei. A tal eventual pretensão não é alheia, por um lado, a específica rela- ção entre a gestante e o nascituro, em especial nos planos biológico e epigenético: se é certo que o modelo português de gestação de substituição sindicado pelos recorrentes afasta a hipótese de substituição genética, apenas permitindo a substituição meramente gestacional (cfr. n.º 3, parte final, do artigo 8.º da LPMA), não menos certo é que, como se admite na fundamentação (em especial B.6.1, n.º 47), a mulher grávida (gestante de substituição) altera a expressão genética de cada embrião e, inversamente, o embrião-feto altera a grávida (gestante de substituição) para sempre. E a tal eventual pretensão não é igualmente alheia (e por- ventura também por força daquela específica relação), a própria dimensão relacional da gestante, sendo caso disso, com a sua própria família – não sendo de afastar que o projeto parental afinal pretendido pela gestante possa também ser acolhido no seu seio familiar. Ora, neste circunstancialismo, a norma do n.º 7 do artigo 8.º – que, admite-se, além do mais (por ser um traço essencial do regime), não visa senão prevenir, ou obviar, ao mesmo, assim contribuindo para a segu- rança jurídica – não garante, por si só a inexistência de controvérsia – e correspondente incerteza, também jurídica – que pode surgir durante a gravidez e antes do parto, de cuja resolução, no limite por via judicial, dependerá o estatuto jurídico do nascituro, à partida, quanto ao estabelecimento do vínculo de filiação, com todas as consequências, sociais e patrimoniais, em especial quanto à determinação da própria família (ou, sendo esse o caso, famílias) no seio das quais se desenvolverá, após o nascimento, também a sua identidade pessoal. Em segundo lugar, e relacionado ainda com (mas não necessariamente só) a eventual concorrência de projetos parentais – e implicando a noção de ‘situação’ de gestação de substituição, na sua aplicação aos casos concretos, a «celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição», através de «contrato escrito», de

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