TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
178 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL prevenção ou de precaução», Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, Anotação ao Artigo 67.º, XII., in fine , p. 1368). É de notar, aliás, que dos trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional (IV Revisão), resultam a proposta e o alcance da parte final daquela alínea e) do n.º 2 do artigo 67.º da Constituição: por um lado, e quanto à proposta de aditamento (apresentada então pelo Partido Social Democrata), sendo o intuito da mesma introduzir matérias não tratadas no texto constitucional que, por força da evolução tec- nológica, colocam, no plano dos direitos humanos , novos problemas, e tendo subjacente a preocupação de apresentar uma formulação genérica que previna a sua desatualização face à dinâmica e evolução das matéria em causa [vide Diário da Assembleia da República (DAR) , II Série-RC, N.º 29, de 27 de setembro de 1996, p. 28, itálico acrescentado], é mencionado que a referência à salvaguarda da dignidade humana constitui «um pressuposto, uma condição limite» ( idem , p. 28); por outro lado, no quadro da discussão da proposta e votação, ressalta que a referência da parte final da alínea e) à salvaguarda da dignidade da pessoa humana, na formulação aprovada, é uma decorrência «das normas constitucionais que tornam imperiosa a tutela da dignidade humana» (vide DAR , II Série-RC, N.º 89, de 14 de maio de 1997, p. 65). E a referida dignidade da pessoa humana (e o respeito por esta) não pode deixar de ser convocada mesmo que a gestação de substituição ainda pudesse corresponder, como se afirma no Acórdão segundo a maioria que fez vencimento, a um projeto de constituição de família com recurso a técnicas de PMA (inviável sem a gestante de substituição e a título excecional face a razões médicas ponderosas na perspetiva da beneficiária causadoras de sofrimento), nessa estrita medida, tivesse, uma ‘relevância constitucional positiva’ (cfr. n.º 35) – e, nessa perspetiva, a projetada criança constituísse um fim em si mesmo, e não um mero instrumento de viabilização de tal projeto (o que a degradaria, em concreto, enquanto ser humano). Acresce que, tendo em conta a fulcral dissociação, subjacente à ‘situação’ de gestação de substituição, entre parentalidade social e genética (ou parcialmente genética se, como permite o regime legal, houver recurso a um dador) dos beneficiários, e biológica, reportada à gestante – consumada pelo estabelecimento legal do vínculo de filiação em relação aos beneficiários (cfr. n.º 7 do artigo 8.º da LPMA) –, qualquer dúvida ou desacordo sobre a ‘entrega’ ou a correlativa ‘renúncia’ tem a virtualidade de se poder projetar sobre o esta- tuto jurídico da criança pois, apesar do estabelecimento por lei do referido vínculo de filiação, aqueles podem precludir, ao menos temporariamente, o pretendido projeto de parentalidade assente naquela filiação legal. Depois, qualquer incerteza quanto ao estabelecimento do vínculo de filiação pode ter igualmente a virtualidade de se poder projetar sobre o vínculo jurídico-político que liga um indivíduo a um Estado rela- tivamente ao qual, no ordenamento jurídico português o legislador ordinário adota o termo nacionalidade e o legislador constitucional o termo cidadania (cfr. artigo 4.º da Constituição). Ora, para além das diferenças que se possam apontar entre os dois conceitos [cfr. Acórdão n.º 106/16, II, A) , 14.], aquela incerteza pode desde logo refletir-se sobre o vínculo da nacionalidade, na vertente de aquisição de nacionalidade originária [cfr. artigo 1.º, n. os 1, alíneas a) e) , e f ) , e 2, da Lei da Nacionalidade – Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, alte- rada em último lugar pela Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de julho, que a republicou], já que a aquisição da nacionalidade originária em relação aos nascidos em território português depende também da nacionalidade da mãe, ou do pai (assim conjugando os critérios de jus soli e jus sanguinis ). Aquelas fontes de incerteza podem resultar adensadas por força da opção de omissão, no regime legal constante do artigo 8.º da LPMA, de qualquer delimitação do seu âmbito subjetivo de aplicação em razão da residência e/ou nacionalidade, quer no que respeita aos beneficiários, quer no que respeita à gestante de substituição, assumindo-se que a ‘situação’ de gestação de substituição que se integra na previsão das normas daquele artigo ocorra em Portu- gal e o projetado nascimento ocorra no território português. Neste âmbito, não se pode deixar de sublinhar, pese embora a referida omissão da LPMA no que toca à ‘situação’ de gestação de substituição (bem como do Decreto Regulamentar n.º 6/2017) – e mesmo tendo presente a Decisão constante das alínea a) do Acórdão e o que se afirma no seu n.º 53 no sentido de ficar prejudicada necessariamente a possibilidade de celebra- ção de negócios jurídicos de gestação de substituição na ordem jurídica portuguesa até que o legislador
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